Entidades sindicais e movimentos sociais preparam
uma agenda de ações conjuntas para combater as medidas antipopulares e
retrógradas que o governo Temer busca impor ao país. O objetivo é barrar as
reformas previdenciária (PEC 287/2016) e trabalhista (PL 6787/2016). Serão
organizadas grandes manifestações em todo o país, iniciando-se no Dia
Internacional da Mulher, 8 de março.
A acelerada agenda regressiva do governo de Michel
Temer – que já aprovou a PEC 241/2016 – do teto de gastos – na Câmara, e a PEC
55/2016 – que limita os investimentos nos serviços públicos nos próximos 20
anos – no Senado Federal – agora volta suas baterias para a PEC 287/2016, que
altera as regras da aposentadoria para trabalhadores dos setores público e
privado, já aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos
Deputados no final do ano passado.
Formulada com o objetivo de pagar juros da dívida
pública, a política de ajuste fiscal do governo se expressa num ataque aos
direitos da população, agravado com o corte de investimentos nas áreas sociais.
Com forte apoio do setor empresarial, e generosamente reproduzido pela grande
mídia, o discurso do governo se sustenta em dados manipulados que apontam um
“rombo” nas contas da previdência. E escamoteia o fato de que mesmo os dados
negativos devem-se à sonegação fiscal, à dívida das empresas com o INSS e às
isenções fiscais para as empresas.
Dados da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional,
por exemplo, apontam que quase 700 mil empresas devem R$ 301,9 bilhões à
Previdência Social – o suficiente para pagar mais de duas vezes o suposto
déficit da previdência. E poucas dessas empresas – as 10 maiores devedoras –
concentram mais de um terço desse valor.
Mobilização nacional - A Comissão Especial da PEC 287/2016 trabalha com a
perspectiva de votação do texto em primeiro turno no plenário da Câmara dos
Deputados no final de março e a votação em segundo turno no início de abril,
para posterior encaminhamento da matéria ao Senado Federal.
Dispostos a barrar esta tentativa de retirada de
direitos da sociedade, entidades e movimentos sociais articulam manifestações
que deverão ocorrer em diversos estados. No dia 11 de fevereiro a Frente Brasil
Popular, que reúne mais de 60 entidades, divulgou uma agenda nacional de
mobilização contra as reformas trabalhista e da Previdência. As primeiras
manifestações serão realizadas no Dia Internacional da Mulher – 8 de março -,
quando estarão em pauta os impactos negativos para as mulheres do campo e da
cidade caso as propostas do governo Temer sejam aprovadas.
Os movimentos sociais retornam às ruas no dia 15 de
março – Dia Nacional de Luta Contra a Reforma da Previdência. Além de
manifestações, para esta data diversas categorias profissionais preparam
paralisações. A principal delas é a Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação, que convocou uma greve geral contra a reforma da previdência e pelo
cumprimento da lei do Piso salarial nacional da categoria.
A agenda de lutas divulgada pela Frente Brasil
Popular inclui, também, nova manifestação nacional para o dia 31 de março, data
que marca a ruptura do processo democrático com o golpe militar em 1964.
Combate à sonegação é
suficiente para cobrir gastos com Previdência, diz especialista
Nadine Nascimento
Brasil de Fato, 25 de Janeiro de 2017
Evasão fiscal impede que governo
tenha acesso a recursos que poderiam ser usados em serviços públicos - A evasão somada à sonegação fiscal de empresas
brasileiras chega a 27% do total que o setor privado deveria pagar em impostos
no Brasil, o equivalente a cerca de R$ 500 bilhões. O alerta faz parte do
informe anual da Organização das Nações Unidas (ONU) que destaca que o fenômeno presente em toda a
América Latina impede que governos tenham acesso a recursos que poderiam ser
usados para financiar serviços públicos.
Na avaliação da entidade, para que os ganhos
sociais possam ocorrer até 2030, os governos latino-americanos terão de
investir mais. E, para isso, terão de elevar sua capacidade de arrecadação. Em
alguns países da região, porém, a receita com impostos ainda representa menos
de 20% do PIB.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a
especialista em orçamento público do Instituto de
Estudos Socioeconômicos (Inesc),
Grazielle David, aponta que os principais motivos para a sonegação fiscal no
Brasil ser tão elevada está nas leis flexíveis e na ausência de investimentos
no combate ao problema.
Segundo a especialista, os impostos mais sonegados no país são Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), o Imposto de Renda e as
contribuições previdenciárias que, se arrecadados, poderiam ser destinados
à Previdência Social, por exemplo.
“Em 2015, a sonegação chegou a R$ 500 bilhões, o
equivalente a 5 vezes o orçamento da Saúde ou todo o orçamento da Previdência
Social. Em um momento que se fala que a Previdência precisa ser completamente
reformada e os direitos negados, se todo o valor da sonegação fosse recuperado,
toda a Previdência poderia ser paga”, diz David.
Confira a entrevista na íntegra.
Brasil de Fato: Quais as principais
origens da sonegação fiscal no Brasil?
Grazielle David: Existem alguns estudos nacionais e internacionais,
além desse da ONU, que aprofundam um pouco essas questões da evasão e da
sonegação fiscal. Um grande grupo que sempre pesquisa sonegação fiscal no
Brasil é o Sinprofaz, o Sindicato dos Procuradores da Fazenda. Há uns
10 anos eles divulgam anualmente uma avaliação da sonegação no país. É
interessante ver que esse número da ONU está bem próximo das análises que o
Sinprofaz já fazia. O último estudo deles, em relação ao ano de 2016, diz que a
sonegação fiscal fica em torno de 25% a 28% da arrecadação, o que fica na mesma
linha da ONU. Além disso, quando se pensa, não por proporção da arrecadação,
mas pela proporção do PIB, o estudo do Sinprofaz diz que a sonegação chega a
10% do PIB nacional. Nesse mesmo estudo foi identificado ainda que os tributos
mais sonegados são o ICMS, o principal tributo estadual, o Imposto de Renda e
as contribuições previdenciárias.
Outro grupo, que é internacional, o TX Justice
Network, uma rede de justiça tributária, utiliza dados do Banco Mundial e
observou que o Brasil era vice-campeão mundial na sonegação de impostos, com
algo em torno de 13% do PIB. Um valor bem considerável.
Já o estudo do GFI, Global Financial Integrity, que
trabalha com informações de fluxos financeiros, conseguiu captar quais os
mecanismos utilizados para promover evasão fiscal. Eles observaram uma questão
muito interessante: a priori, sempre se pensava que o dinheiro que saía de um
país para um paraíso fiscal era fruto de corrupção ou dinheiro puramente
ilícito. Porém, eles puderam observar que grande proporção – cerca de 80% dos
fluxos financeiros – desse dinheiro tem relação com o setor privado e que o
principal mecanismo utilizado é o sub-faturamento.
Isso significa que quando as empresas vão fazer as
notas fiscais, ou seja, informar seu faturamento, elas informam com um valor
inferior e, assim, conseguem pagar tributos menores, já que muitos deles são
sobre o valor de faturamento. Um grande exemplo prático disso é a Vale, que
está como uma das grandes devedoras do país, inscrita na dívida ativa da União.
O Inesc fez um estudo sobre a Vale e observou que a empresa vendia o ferro, que
é seu principal minério exportador, a um preço abaixo do mercado internacional.
Depois exportava para ela mesma, normalmente para um paraíso fiscal, e, a
partir dali, revendia. Ganhando, dessa forma, duas vezes: primeiro, porque
deixou de pagar os tributos sobre o faturamento e, depois, porque revende com o
valor de mercado lucrando muito.
Como esse valor que não é arrecadado
poderia contribuir para os investimentos públicos?
A ONU realiza alguns estudos para analisar a melhor
forma de financiar os antigos Objetivos do Milênio, atualmente, denominados
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Até então, eles contavam muito
com as doações dos países mais ricos e mais desenvolvidos que ajudavam os
países em desenvolvimento. Com o cenário de crise econômica global, desde 2008,
eles perceberam que talvez isso não seria mais viável. Então, começaram a
pensar em alternativas estudando os fluxos financeiros. Com isso, observaram
que os países em desenvolvimento sofrem muito com a sonegação fiscal, tanto das
empresas nacionais quanto, principalmente, das multinacionais. Por isso
começaram essa campanha contra a sonegação, o que poderia ser eficaz na
arrecadação para o financiamento dos ODS.
Essa lógica é a mesma que diversos movimentos
sociais, organizações e universidades seguem no Brasil. Assim que o governo
anunciou diversos cortes necessários e o déficit fiscal no país, vários grupos
começaram a apresentar alternativas e a rejeitar as medidas de austeridade,
porque seria o mesmo que a ONU dizer que no cenário de crise os investimentos
nos ODS iam parar.
Aqui no Brasil, estamos indo no sentido contrário
da ONU. No lugar de pensarmos em alternativas que poderiam financiar os
direitos e as políticas públicas, como diminuir as desonerações tributárias e
investir no controle da sonegação fiscal, estamos implantando medidas de
austeridade.
Em 2015, por exemplo, a sonegação chegou a R$ 500
bilhões, o equivalente a 5 vezes o orçamento da Saúde ou todo o orçamento da
Previdência Social. Em um momento que se fala que a Previdência precisa ser
completamente reformada e os direitos negados, se todo o valor da sonegação
fosse recuperado, toda a Previdência poderia ser paga.
Quais as principais medidas a serem
tomadas para um combate efetivo da sonegação no Brasil?
O primeiro passo é revogar todas as leis que
extinguem a punição de quem comete crimes tributários caso o pagamento do
tributo seja realizado. Assim como qualquer outro crime, a sonegação deve ser
punida adequadamente, ao ponto de que não seja benéfico cometê-la. Enquanto for
mais lucrativo sonegar e cometer um crime tributário vai haver grande motivação
para que isso aconteça. Tanto é verdade que a sonegação entra dentro do
planejamento tributário das empresas, principalmente das grandes, que tem
capacidade de pagar caro por advogados, economistas e contadores que conseguem,
com um planejamento tributário mais agressivo, incluir a sonegação como uma
estratégia. Porque se eles deixam de pagar os tributos ao longo do ano investem
esse valor e rende muito. E após cinco anos, se a sonegação não for descoberta,
prescreve.
Além da questão legal, também seria muito
importante trabalhar a questão da fiscalização. Temos a Receita Federal e os
fiscos estaduais, muitas vezes, com pouca estrutura. A gente vive hoje em um
mundo extremamente tecnológico, com uma capacidade de integração entre as
cidades altíssima, mas diversas administrações estão com seus equipamentos
completamente defasados. Por mais que sejam criados softwares interessantes de
cruzamento de dados e de controle de integração, os equipamentos não têm
capacidade para suportá-los. Precisaria ser investido um pouco mais na
administração e sua infraestrutura e na contratação de pessoal.
Se a gente for pensar, por exemplo, na Procuradoria
da Fazenda Nacional, que faz o controle da dívida ativa, responsável por cobrar
os sonegadores, estão extremamente sobrecarregados. São pilhas e pilhas de
documentos para cada procurador, que não consegue cobrar adequadamente. Eles,
inclusive, soltaram uma nota dizendo que ao ano eles arrecadam apenas 1%
da dívida ativa, uma porcentagem extremamente pequena.
Na sua opinião, há uma má-vontade
política em aprimorar os mecanismos de combate à sonegação?
Parece que sim. Sempre que a gente traz essa
possibilidade, ela é encarada como impossível de ser realizada. É interessante
como todas as medidas de austeridade são consideradas embasadas cientificamente
e as medidas alternativas – combate à sonegação, repensar as exonerações
realizadas e melhorar a eficiência da cobrança da dívida ativa – são
consideradas utópicas. Isso demonstra algumas ideologias e interesses
envolvidos.
Os crimes tributários, como a sonegação, deixaram
de ser crime de fato porque perderam a punição a partir de 1996, um ano de
grandes medidas de austeridade no país. Podemos perceber, então, que nos ciclos
de medidas de austeridade e de liberalismo econômico, temos cenários que cortam
investimentos públicos, se amplia o valor do orçamento público que vai para o
que podemos chamar de financismo e se beneficia grandes grupos econômicos, que
normalmente são capazes de realizar grandes sonegações. Se a gente observar os
500 maiores devedores inscritos na dívida ativa da União, percebemos que são
grandes corporações. Percebe-se um interesse em beneficiar exatamente esses grupos.
O poder econômico está muito ligado com o poder político, existe uma troca de
favores ali.
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Fonte: Brasil de Fato
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