Aqui é o meu lugar
Meus pais eram italianos - Angelina e Francesco
Maiorana -, mas eu sou brasileiro, nascido em Pernambuco. Entre Recife, a
capital pernambucana, e Natal, Rio Grande do Norte, dividi a minha infância, a
juventude, uma parte da mocidade. Nessas duas capitais estudei as primeiras
letras até o secundário, como se dizia outrora. Nessas duas cidades ficaram os
bons tempos de jovem, com todas suas inquietações, que tinha vontade de sair
por aí, lutar, trabalhar, ser alguma coisa, e por isso é que desde cedo me encontrei
com a vida, com o trabalho.
Quando
cheguei a Belém era 1953. A cidade pacata, discreta,
porém acolhedora, me
agradou, e foi uma espécie de amor à primeira vista. De publicitário,
inicialmente, que foi a minha primeira atividade na capital paraense, passei a
lojista; uma vontade eu tinha, de fazer alguma coisa, de renovar, de remoçar
Belém. Abri uma loja, gostei da experiência, bem recebida pelos habitantes da
terra, e me senti apoiado e encorajado a prosseguir. Vieram mais três lojas,
que os paraenses costumavam dizer tinham “mudado a fisionomia do comércio
belenense”, e como não sou de estar procurando expressões difíceis nem nomes
complicados, achei por bem que deveriam chamar-se Lojas RM. Formavam uma
cadeia, no centro da cidade.
Quando
estava na experiência de lojista, e que vingou, já o jornal me atraía. Os
conhecimentos com a gente de imprensa da terra me levaram ao colunismo -
primeiramente, social -, depois passei a escrever sobre homens e negócios.
Iniciei no então O LIBERAL, órgão
oficial do antigo Partido Social Democrático, fundado por Magalhães Barata. Em
seguida, passei à Folha do Norte e, neste jornal, é que mantive por muitos anos
a coluna Homens e Negócios. Da convivência diária, do contato com a turma do
jornal, sempre me vinha aquele pensamento que eu entendia quase irrealizável, o
de ter um jornal, dirigir uma empresa de divulgação, integrar-me ao metier, de
corpo e alma. Muitas vezes eu relembro e vejo de forma quase alucinante aquele
1º de maio, dia de 1966 em que adquiri O
LIBERAL, em situação precária, precisando de tanta coisa e tendo
pouquíssimo. Arregacei as mangas, formei a equipe, o jornal começou a sair.
Onze
anos são passados e eu me sinto gratificado quando vejo O LIBERAL ser lido e conhecido por todo o Brasil, impresso em offset
- neste processo, foi o primeiro do Pará -, instalado em prédio próprio, com
todas as condições de conforto para os meus funcionários. Junto a ele, a Rádio
Liberal, que são irmãos, ambos, e muitas vezes pareço delirar quando relembro
os momentos de espera e ansiedade pela concessão de um canal, quando vi chegado
o momento de arregaçar uma vez mais as mangas e iniciar o processo de
construção da TV Liberal - Canal 7, quando vi a sua torre tomar proporções
verticais e se projetar no panorama visual de Belém do Pará, e, finalmente, a
sua inauguração, a sua entrega oficial à cidade que me acolheu e para a qual eu
dedico todos meus trabalhos, sempre procurando oferecer-lhe o melhor.
Isso
tenho conseguido, muitas vezes lutando, outras enfrentando obstáculos que me
pareciam difíceis de transpor, mas o poder de vontade, a força interior que me
vem de Deus, me levam à realização de meus projetos. Quanto ao que represento
para o Pará, para Belém, não posso dizer nada além do que me sinto acima de
tudo um paraense, um nortista, um amazônida.
A
maior parte do meu tempo eu passo no jornal O LIBERAL, dele dirigindo os outros órgãos da minha empresa - a
Rádio e a Televisão. Trabalho em todos três com executivos da minha confiança e
que já estão bem afinados com meu sistema, com as minhas ideias. Mas quando há
necessidade de minha presença, e lá vou eu, de repente, à Televisão, que fica
em prédio distante do jornal, ver de perto o que há de novo. Quem dirige
empresa de comunicação tem que olhar em todas as direções. Muitas vezes as
complicações surgem, as soluções têm que vir rapidamente, os nervos ficam
tensos, mas depois tudo chega a bom termo e a gente sai para outra. No jornal
eu fico até tarde da noite.
Ficar
até tarde da noite no jornal não quer dizer que não vá a minha casa. Vou para o
trabalho, mas à hora do almoço tenho o contacto alegre com minha mulher, Déa,
meus sete filhos - Rosana, Angela, Rosangela, Romulo Jr., Rosemary, Roberta e
Ronaldo -, e para mim esse é um momento que não dispenso, a não ser por circunstâncias
muito especiais. É hora de ouvir a minha turma jovem contar as últimas, falar
dos seus estudos - já tenho filha universitária-, discutir, opinar, defender
seus direitos, enfim, um barato, como eles mesmos dizem, uma “assembleia geral”
diária.
Trabalhar
é preciso, mas viver também é preciso. Gosto da vida social, e não dispenso aos
sábados e domingos o encontro com amigos em meu sítio na estrada, distante de
Belém uns 30 minutos, a Romanza, onde faço um relax, deixo as preocupações na
cidade e só volto à noite. Diariamente, também no jornal, costumo, às sete
horas da noite, receber gente amiga, gente que eu conheço desde que cheguei a
Belém, para um drink, um papo alegre, onde os assuntos por mais sérios que
sejam sempre terminam com um pouco de humor, para relaxar a mente. Isso faz
bem. Quanto à sociedade em termos formais, raramente participo, ao contrário de
outros tempos quando fazia vida intensa nesse sentido. Agora, quando vou a
festas e reuniões solenes é mais pela minha condição de pai, a acompanhar as
filhas que estão na sua época.
Em
Belém, conheci tanta gente boa, experimentei tantas compensações e tenho
experimentado tão grandes momentos que não tenho do que me queixar, sob pena de
ser injusto para com uma terra, um povo que me recebeu de braços abertos e me
tornou um irmão. É como se eu tivesse nascido aqui, de tal maneira me integrei
a esta comunidade. Quem dirige empresa lida com pessoas de todos os segmentos
sociais, de cada contato recolhendo experiências que servem para enriquecer o aprendizado
de viver. As surpresas são inúmeras, as lições muito maiores.
Gosto
de tudo que é bom. De viajar. Se pudesse era o que faria a miúdo, mas nem
sempre as responsabilidades me permitem. Entretanto, não desprezo, sempre que
posso, viver as sensações de uma viagem: pelo Brasil, pela América do Sul, pela
Europa, Estados Unidos, por onde puder eu vou, sempre trazendo um acréscimo de
conhecimentos que tanto me ajudam. Sem leitura não há cultura, não há
atualização, tudo se torna mais difícil no mundo absorvente e rápido em que
vivemos. Leio tudo o que posso. A música também me atrai, e muitas vezes em meu
gabinete de trabalho estou com gravador ouvindo fitas, popular ou erudita, a
música é necessária. Quando bem criada em seus valores de som e harmonia, age
inclusive como elemento moderador, devolvendo-nos a paz, a serenidade.
De
vez em quando, na minha frente, se desenrola uma espécie de filme, com retalhos
da vida que foi, da vida que é, hoje, presente. Recordo um tempo breve de
infância na Itália, aquela paisagem azul mediterrânea, que eu revi não faz
muito tempo, a imagem de minha mãe, aquele riso franco que lhe iluminava o
rosto; meu pai, um ex-participante da guerra de 1914-1918, tão completamente
simples; a volta ao Brasil, Recife, Natal, Belém, a terra que me aguardava e eu
não sabia. Minha mulher, meus filhos, todos nasceram nesta cidade, ela me
tornou seu Cidadão, o Pará também teve o mesmo gesto de carinho e afeição.
Quando chega o tempo do Círio, eu me sinto com todas as alegrias naturais de um
bom paraense, envolvido pelos mistérios desse dia de Fé ainda não decifrados,
uma espécie de esfinge na devoção. Esta Fé me impregnou, esta alegria me
envolveu. Deixar Belém, jamais. Este é o meu chão definitivo.
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* Texto escrito em 1988.
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♦ Republicado como homenagem deste repórter e do
Jornal do Feio a`O LIBERAL que completou
66 anos nesse 15 de novembro, e ao seu
grande impulsionador Romulo Maiorana.
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