Amo muitas cidades
Amo
muitas cidades. Cada uma delas marcou meu coração. Há, contudo, uma que me
ilumina, pois é como uma mulher que desejamos por muito tempo e que de repente
está diante de nós, nua, aos primeiros raios do sol de julho. Macapá emerge da
boca do rio Amazonas avançando na Linha Imaginária do Equador, e quando a
cidade nos engole, mergulhamos num mundo prenhe de jasmineiros que choram nas
noites tórridas, merengue, a poesia azul da Alcinéa Maria Cavalcante, a casa do
Fernando Canto, que recende ao Caribe de Gabriel García Márquez, mulheres
cheirando a Chanel número 5 e maresia, o embalar de uma rede no rio da tarde,
mapará com pirão de açaí, tacacá, Cerpinha. Quando entro neste santuário,
dispo-me de todas as feridas, e oferto rosas, pedras preciosas e luz, toda a
minha riqueza, aos que eu amo, e te chamo, Macapá, de querida! Sempre me
perco em ti, e sempre de propósito, numa vertigem da qual só me recupero em
Brasília, dias depois.
As
viagens que fazemos no coração são vertiginosas demais para a pobre física terrena.
A casa da minha infância, cada palavra que garimpei em madrugadas eternas, cada
gota de álcool com que encharquei meus nervos, cada mulher que amei nos meus
trêmulos primeiros versos, cada busca do éter, nas noites alagadas de
aguardente, os jardins da casa da Leila, no Igarapé das Mulheres, o Elesbão, a
casa da Myrta Graciete, a casa do poeta Isnard Brandão Lima Filho, na Rua Mário
Cruz, o Macapá Hotel, o Trapiche Eliezer Levy, estão para sempre no meu
coração, que enterrei na Rua Iracema Carvão Nunes.
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♦ RAY CUNHA – Escritor e Jornalista baseado em Brasíl
Brasília-DF, Brasil
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