Capítulo 8 do thriller político-policial
A CONFRARIA CABANAGEM, de RAY CUNHA
O novo romance de Ray Cunha mistura realidade e ficção. Senador
lidera nas pesquisas para governador do Pará, mas interesses poderosos
conspiram para que ele seja assassinado, aparentando morte
natural. Conhecedor da Amazônia profunda e ciente de que a tragédia do
Trópico Úmido é a mentalidade de colonizado da maioria dos amazônidas, o
senador Fonteles, que lidera nas pesquisas eleitorais, se tornou a esperança
dos que querem tirar o Pará da Idade Média, concorrendo ao governo contra o
ex-governador Jarbas Barata, que governa das sombras o estado. Porém, uma
organização clandestina, a Confraria Cabanagem, que luta pela democracia e o
desenvolvimento do Pará, detecta uma conspiração para assassinar o senador
Fonteles, e convoca o único homem capaz de deter o assassino: o ex-delegado de
polícia e detetive particular Apolo Brito, que mora em Brasília.
Some do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) um frasco com ínfima porção
de homobatracotoxina, o mortal veneno do Phyllobates terribilis, juntamente com
um muiraquitã, branco, de jadeíta, de 50 milímetros, pesando 42 gramas, de
2.500 anos, uma peça tapajônica sem preço. Em conversa com o assessor de
imprensa do museu, o jornalista Montezuma Cruz, Apolo Brito descobre indícios
de que estariam traficando água do rio Amazonas, e mergulha na chamada questão
amazônica, e em símbolos caros aos paraenses, como o Círio de Nossa Senhora de
Nazaré, o Ver-O-Peso, a Estação das Docas, o tacacá.
Neste romance ensaístico, personalidades vivas transitam entre
personagens de ficção, como é o caso do lendário jornalista paraense Lúcio
Flávio Pinto, um dos maiores intérpretes mundiais do enigma da Amazônia, que se
encontra com o fictício detetive Apolo Brito no restaurante Restô do Parque, na
ex-residência oficial dos governadores do Pará, na Avenida Magalhães Barata
830, antiga Avenida Independência, no bairro de São Brás, palácio erguido no
início do século passado, em estilo eclético, em que predomina o neoclássico, e
elementos de art nouveau, e que, em 1998, passou a ser chamado de Parque da
Residência, onde moraram os dois mais ilustres governantes da história recente
do Grão-Pará: Lauro Sodré (1917-1921) e Magalhães Barata (1888-1959).
CAPÍTULO 8
No dia seguinte, a multidão que aguardava a saída da Virgem começou a se
mover às 6h30. Apolo Brito colara no senador Fonteles já dentro da Catedral e
quando ele enveredou na multidão rumo à Corda.
A corda não é como o cânhamo
a envira, a juta, a malva, manilha
trançada torcida e retorcida
em mãos paradas
em círculo estático
formando uma muralha.
É o caminhar sem caminhar
o andar sem andar
o rezar sem rezar
a simples fé na Santa do lugar...
Enquanto seguia o senador Fonteles, Apolo Brito lembrou o Discurso
sobre a Corda, de Benedicto Monteiro, que Batista Campos declamara no dia
anterior, e também um poema de João de Jesus Paes Loureiro:
Quisera ser essas folhas de mangueira
à tua passagem
e te roçar de leve com meus lábios.
Quisera ser esse raio de sol
por entre as folhas,
para tocar tua imagem e te aquecer.
Quisera ser essa brisa
das manhãs de Belém,
para agitar levíssimo o teu manto.
Quisera ser um hino
a rebrotar dos lábios das crianças.
Um hino em teu louvor!
Quisera ser os passos da paixão
te acompanhando,
como o peixe acompanha
a procissão das águas,
como o tema da canção
que passa
por entre a melodia.
Quisera ser as sílabas do amor
para a linguagem ser dos que te amam.
A Corda media 400
metros de comprimento e duas polegadas de diâmetro. Utiliza-se aquele tipo de corda
na ancoragem de navio. Era de sisal oleado e pesava uma tonelada. Cerca de 7
mil pessoas a carregavam, aglomeradas como formigas, o suor escorrendo sob 33
graus centígrados, potencializados talvez para 40. O senador Fonteles apenas se
aproximara da Corda, de modo que pudesse ver aquele formigueiro móvel e assim
irmanar-se a ela pela mente, pois se fizesse isso fisicamente estaria morto.
Atrás dele, Apolo Brito o seguia. O senador era alto para os padrões dos
amazônidas. Lembrava Castro Alves. Dona Eleonora não fora. Apolo Brito
identificou dois seguranças. Cabanos, certamente. Mas qualquer pessoa,
inclusive os seguranças, poderia se aproximar do senador Fonteles e dar uma
insuspeita espetadinha nele. “Maria, a bem-aventurada porque acreditou.” A Corda
lembrava a cobra grande, ao som de 2,2 milhões de romeiros que desaguavam dos
afluentes no rio principal, de 3,7 quilômetros, numa “demonstração de fé única,
que não pode ser descrita, mas vivida” – dissera o arcebispo dom Alberto
Taveira. Quando a Virgem chegou o mais perto do edifício Manoel Pinto da Silva,
um ícone arquitetônico da Amazônia, inaugurado em 1958, de 25 andares e 100
metros de altura, na confluência da Praça da República e avenidas Presidente
Vargas, Nazaré e Serzedelo Correa, uma chuva de papel picado turvou o céu.
Apolo Brito julgou ter visto Jarbas Barata no primeiro andar. Dali, o Círio se
arrastou pela Avenida Nazaré, sob o túnel de mangueiras, até a Basílica de
Nazaré, na Praça Santuário, onde chegou ao meio-dia. Então a população imensa
foi se diluindo, rumo ao banquete do Círio. Consome-se cerca de 100 toneladas
de pato, 60% congelados, importados do Canadá e do Rio Grande do Sul, porque a
produção local não dá conta. Contudo, o prato mais consumido é maniçoba. Além
de maniçoba e pato no tucupi, os mais abastados se banqueteiam também de
vatapá, caruru, pescada ao molho de camarão, unha de caranguejo, bolo de
macaxeira, suco de taperebá, de cupuaçu, de graviola, açaí com farinhas de
tapioca e d’água, tacacá.
A CONFRARIA CABANAGEM está à venda somente no Clube de Autores
E na Amazon.com
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Jornal do Feio
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