A mulher que me ensinou a voar
BRASÍLIA, MAIO DE 2016 - A manhã de 20 de maio de 1968, em Macapá, foi excepcional. As
flores desabrocharam em questão de segundos ao sol, deixando o ar prenhe de
perfume e a Linha Imaginária do Equador girando igual música de Mozart. Eu
tinha 14 anos e já recebera o batismo de fogo azul, por isso percebi que a
manhã fora arrumada por Deus, pois entre as flores vivificadas pela luz, uma
recebeu o nome de Josiane Souza Moreira.
Só a conheci 19 anos depois, em Brasília.
Cafuza, linda que só ela, parecia um arbusto com sabor de Dom Pérignon, safra
de 1954. Começamos a namorar em 15 de maio de 1988, no cinema do Conjunto
Nacional, vendo O Último Imperador da China, de Bernardo Bertolucci.
Casamo-nos no religioso em 21 de maio de 1989 e, no civil, em 6 de agosto de
2010. Em 22 de fevereiro de 1990, Josiane deu à luz uma princesa com nome de
flor: Iasmim.
Quando a conheci, eu tinha 33 anos de
idade, 14 mais do que ela, vinha de um casamento fracassado, vivia mergulhado
no álcool, trabalhava num jornal sem futuro (Correio do Brasil, que já
fechou as portas há muito tempo) e sou feio. Mas ela me viu leão de asas na
dimensão azul, e desde aquela noite de 15 de maio de 1988, namoramos todos os
dias, até quando estamos perdidos, pois nos encontramos no coração, onde não
existe tempo nem espaço; só há o agora e o agora, o momento mesmo da
eternidade.
Ela entrou na minha vida como raio de
sol iluminando minha alma, como o hálito do Concerto para Piano e Orquestra
em Ré Menor, de Mozart, como o azul do mar, tão azul que sangra. Desde
então, deposito nas tuas mãos, Josiane Souza Moreira Cunha, todo o meu tesouro,
um abismo de rosas vermelhas, colombianas, risos de crianças, o triunfo da Luz.
MINHA NAMORADA
O primeiro beijo que me deste,
explodiu
Como relâmpago na minha alma
Feriu-me, doce como brisa,
Pétalas pousando no púbis de um anjo
Desde então, flor da minha vida,
Voo na tua dimensão
Grávido de ti, como um abismo,
Mulher amada!
Segue-me, pois te mostrei quase nada
E tenho a chave dos sonhos
Que conduzem à eternidade
À fogueira do nosso amor, minha
namorada,
Ao voo vertiginoso
Da luz movida a acme
A NOITE É SÓ NOSSA
Meu bem, estou à tua espera, vibrando
de alegria
Pois esperar-te é como a emoção que precede
o garimpeiro
Ao encontrar a maior pepita de ouro,
dez anos depois
No morro do Salamangone, Serra
Lombarda, município de Calçoene
É como a felicidade de abraçar
crianças que escaparam de um naufrágio
Ao largo do Marajó
Ver rosas nuas em toda parte
Amor da minha vida esta noite será
eterna
Porque nesta casa
Só haverá nós dois e a noite
Já arrumei tudo, as flores, o vinho e
a comida, camusquim com camarão pitu
Seremos nós dois e os diamantes que
garimpei toda a minha vida
E que só encontramos no céu de
Macapá, em agosto, nos anos 1960
Ouviremos La Cumparsita, na
voz de Julio Iglesias
E dançaremos lentamente, nossos
lábios se roçando
E ouviremos Suave é a Noite,
com Alcione
E Amarcord, de Nino Rota
Então, voando nas asas de Dom
Pérignon, safra de 1954
Beberei colostro e sentirei o sabor
da tua pele e do teu púbis
E será madrugada
A quem ofertarei teus gemidos, que
espalharei no jardim da minha alma
Mulher amada
Vem logo
Pois a noite já chegou
Como um navio, um continente, uma
galáxia
Só nossa!
••• RAY CUNHA – Escritor e Jornalista baseado em Brasília-DF, Brasil, e o mais antigo colunista do Jornal do Feio
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