Paulo
Cunha
BRASÍLIA, ABRIL DE 2013 – Algumas pessoas, na nossa memória ou no subconsciente,
transportam-nos, de alguma forma, para a dimensão do encantamento, e, algumas
vezes, da paz interior. Essas pessoas são nossos ídolos. Eu cultivo muitos, a
começar pelo meu pai, João Raimundo Cunha. Quando era criança, aninhava-me bem
pertinho dele para ouvi-lo contar histórias de caçadas na Amazônia e sentir seu
calor e seu, um misto de madeiras nobres do Trópico Úmido; era, naturalmente,
musculoso, destemido, e tinha um arsenal e pontaria extraordinária. Estamos
sempre juntos, caçando ou conversando sobre tudo. É assim que ele vive na minha
memória, nos sonhos que às vezes tenho com ele, e quando rezo.
Minha mãe, Marina Pereira Silva Cunha, era linda,
determinada, e foi a mulher mais forte que conheci. Certa vez, na Catedral de
Macapá, assistíamos a missa, eu aspirava o perfume que vinha dela. Mais do que
meu pai, ela está sempre ao meu lado; eu a sinto como uma luz eterna,
penteando-me os cabelos, beijando-me o rosto e sorrindo para mim.
O clube dos meus ídolos é grande. Ernest Hemingway e
Gabriel García Márquez são dois dos muitos frequentadores. Sentamo-nos no bar e
batemos papo durante horas. Bebemos muito, sempre; Hemingway mais do que Gabo e
eu juntos. Às vezes, Antoine de Saint-Exupéry aparece por lá.
Hoje, um ídolo meu aniversaria: Paulo Cunha, meu irmão
mais velho e segundo pai de todos nós, irmãos. Ele foi importante na minha
descoberta das minas da criação. Mamãe me ensinou a ler aos 5 anos, estimulado
pelos gibis do Paulo, e, aos 13 anos, descobri, na biblioteca dele, Hemingway,
Frances Scott Fitzgerald, Graciliano Ramos, Kafka, Fiódor Dostoiévsk, e uma
legião de gênios, que me inocularam o prazer de criar, para sempre, ao embalo
dos anos 1960, na companhia de Olivar Cunha, Isnard Brandão Lima Filho, Pedro
Cunha, Joy Edson (José Edson dos Santos), Alcinéa Cavalcante (linda como só
ela), Rodrigues de Souza (conhecido como Galego, e com quem tive bebedeiras
medonhas), Fernando Canto, Beatles, muitos, muitos outros, e toda aquela
efervescência.
Paulo Cunha foi líder estudantil no Grêmio Literário Ruy
Barbosa, do Colégio Amapaense, pugilista e campeão em natação. Lembro-me da
mamãe queimando muitos dos seus livros logo depois do golpe militar de 1964,
receosa de que ele fosse perseguido e preso nas masmorras da Fortaleza São José
de Macapá. Anos depois, em 1971, visitei-o no hotel onde ele morava, em Belém.
Foi inesquecível. Ele ocupava um quarto grande, completamente atulhado de
pedras preciosas: livros e revistas.
Além dos tesouros maravilhosos que ele me legou,
abrindo-me as portas para a dimensão do voo, era mesmo como um pai para todos
nós, irmãos; a mão confortadora que afaga nossa face quando sentimos dor; o
braço forte que nos ampara no tombo; a presença redentora que nos resgata da
angústia, essa agonia que vem da penumbra. Paulo, tu és general nessa legião
que influi na minha vida, de modo que minha passagem, aqui, seja perene
cavalgada no azul. Obrigado por tudo, amigão; por semeares o que levas no
relicário do teu coração: o triunfo da luz.
♦ RAY CUNHA – Escritor e Jornalista baseado em Brasília-DF, Brasil
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