O intelectual paraense VICENTE SALLES
Um dos gigantes do pensamento paraense, Vicente Salles, parte para o mundo espiritual. Lúcio Flávio Pinto é um dos herdeiros intelectuais do historiador
BRASÍLIA, março de 2013 – Conheci Vicente Juarimbu Salles em 1996. Ele dirigia o Museu da Universidade Federal do Pará (UFPA) quando fui entrevistá-lo para O Liberal, de Belém. Nascia, entre nós, uma amizade peculiar, semelhante a que cultivo com o maior jornalista da Amazônia, Lúcio Flávio Pinto: vimo-nos poucas vezes, mas tanto Vicente Salles quanto Lúcio Flávio Pinto emanavam uma intelectualidade intensa, de centenas de anos, encerrando conhecimentos profundos sobre a Amazônia.
Depois, em Brasília, onde Vicente Salles estava morando, estive uma ou duas vezes no apartamento dele, onde me recebeu com simplicidade cabocla e me serviu de doses generosas do seu conhecimento enciclopédico sobre o Trópico Úmido. Como acontece quando bato papo com pessoas intensas, sempre demoro um pouco para me refazer e voltar ao que chamamos de realidade. Das vezes em que tipo a rara oportunidade de privar da companhia de Vicente Salles, só aterrissei do voo vertiginoso dias depois.
O pesquisador, historiador, folclorista e musicólogo, um dos gigantes que pensam o Pará (agora por meio do seu legado), partiu para o mundo espiritual na madrugada de quinta-feira 7, aos 81 anos, de parada cardiorrespiratória, em um hospital particular da Cidade Maravilhosa, onde ele também viveu. Fora internado dia 27 de fevereiro, com anemia profunda e hemorragia. A viúva, Marena Salles, disse que o último pedido do marido foi de que seu corpo fosse cremado e as cinzas lançadas na baía do Guajará, que cerca a península belenense.
Vicente Salles deixa publicados mais de 15 livros – entre os quais O Memorial da Cabanagem –, que contribuem para a compreensão do Pará, da Amazônia, do Brasil e da Ibero-América; doou mais de 4 mil volumes e documentos e 70 mil recortes de jornais sobre temas como música, folclore, negro, artes cênicas e literatura, além cartuns, fotografias de época, cordéis, peças de teatro do repertório regional e nacional, teses, folhetos e cartazes, para o Museu da UFPA.
Certa vez ele me disse que a história contemporânea da Amazônia é escrita por Lúcio Flávio Pinto; pois bem, Vicente Salles ajudou a pavimentar a base para que essa história possa ser contada em profundidade, e para que possamos compreender por que no Pará o fosso social, que separa a aristocracia belenense da escravidão no coração das trevas, é tão tirânica.
O grande homem começou a pesquisar a história das bandas de música no interior do Pará em 1954 e, até este ano, jamais parou de pensar a cultura paraense, e a Hileia. Ainda em 1954, muda-se para o Rio de Janeiro, onde estuda jornalismo e gradua-se em Ciências Sociais pela Faculdade Nacional de Filosofia. Em 2002, recebe o título de Doutor Honoris Causa da Universidade da Amazônia (Unama) ,e em 2011, a mesma honraria é-lhe concedida pela Universidade Federal do Pará.
Natural da vila Caripi, município de Igarapé-Açu, no nordeste paraense, Vicente Salles sempre se definiu como viveu: um caboclo (caboco, como diz Lúcio Flávio Pinto) autêntico.
A coleção Vicente Salles está disponível para consulta de segunda a sexta-feira, das 9 às 17 horas, na Biblioteca do Museu da UFPA, na Avenida José Malcher, bairro de Nazaré, Belém do Pará. Telefones: (91) 3242-6240/(91) 3242-6233.
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♦ RAY CUNHA – Escritor e Jornalista baseado em Brasília-DF, Brasil
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