RAY CUNHA
A questão da água e da Amazônia assemelha-se a uma frase, já famosa, do Ministério da Educação (MEC): “Nós pega o peixe”
Esteve sempre implícita uma velha pauta permanente aos 100 jornalistas da Amazônia Legal que debateram o tema “Amazônia, comunidade e tecnologia social: Iteração e sustentabilidade” no II Encontro de Jornalistas do Norte, realizado de 29 a 31 de maio pela Fundação Banco do Brasil: a água. Até porque a assembleia foi instalada em Porto Velho, situada na margem direita do rio Madeira, maior afluente também da margem direita do Amazonas, no qual deságua a leste de Manaus. Como se vê, trata-se, aqui, do Mundo das Águas, o subcontinente amazônico.
O especialista em recursos hídricos Flávio Carvalho, da Agência Nacional de Águas (ANA), fez uma exposição aos jornalistas, informando-os sobre alguns dados básicos. A água doce representa 2,5% da massa líquida do planeta; desses 2,5%, somente 0,3% são fluviais – quase toda a água doce encontra-se em geleiras e aquíferos. O Brasil detém 12% da água doce do mundo e 73% disso estão na Amazônia. A vazão do rio Amazonas, segundo Flávio Carvalho, é de 130 mil metros cúbicos por segundo.
Estrategistas do Pentágono, o coração da Defesa norte-americana, já perceberam que a água é cada vez mais preciosa. Sabemos que se trata de um ciclo fechado, a água não se esgota, apenas se torna cada vez mais caro dispor-se dela pronta para ser ingerida. Assim, o desmatamento, a desertificação, a poluição, levam, hoje, à morte pela sede e pela desidratação centenas de milhões de pessoas por ano, em várias partes do mundo, e esse contingente aumenta cada vez mais. No futuro, não está descartada guerra pela água.
No Brasil, os presidentes, e agora “presidenta”, que se revezam no Palácio do Planalto, mantêm-se rigorosamente de costas para a Amazônia, onde só vão buscar energia hidrelétrica e commodities, como minerais e madeira; da mesma forma, desprezam a água – vejam-se as matas ciliares em todo o país e as nascentes na capital da República. Em Brasília, nascentes são tratadas como esgoto.
Na Amazônia, metrópoles como Belém e Manaus despejam milhares de toneladas de dejetos in natura por dia no rio. Cidades como Macapá, situada quase na boca do rio Amazonas, além de não ter rede de esgoto ainda vende para a população água racionada e, às vezes, turva. Para agravar a situação, o amazônida, de modo geral, joga tudo no rio. Navegue pelos rios da Amazônia e observe o que o caboclo faz com o lixo.
Quem tem dinheiro, incluindo empresários estrangeiros, engarrafa água mineral e até exporta. A Constituição federal reza que a água é bem de todos os brasileiros. É mais uma falácia da Carta. Aliás, precisamos, com urgência, eleger uma Constituinte e redigir uma constituição realista, na qual se possa ler: “Nós pegamos o peixe”.
Aproveito para republicar matéria sobre o Mundo das Águas.
O maior rio do planeta
O rio Amazonas, que nasce no rio Apurimac, na parte ocidental da cordilheira dos Andes, no sul do Peru, na América do Sul, e deságua no oceano Atlântico, é o maior rio do mundo, 140 quilômetros mais longo do que o africano Nilo - que nasce no rio Kagera, próximo à fronteira entre o Burundi e Ruanda, na África, e deságua no mar Mediterrâneo -, tido como o mais comprido do planeta durante muito tempo. A comprovação foi feita por uma das mais sérias instituições científicas do Brasil, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que utilizou dados obtidos em expedição à nascente do Amazonas e imagens de satélite. Segundo o Atlas Geográfico Mundial, a extensão do Nilo é de 6.695 quilômetros e a do Amazonas, de 6.515 quilômetros. Os livros de geografia precisam ser reeditados. Agora, o rio Amazonas mede 6.992,06 quilômetros e o Nilo, 6.852,15 quilômetros.
A equipe que chegou a essa conclusão, divulgada em julho de 2008, foi chefiada pelo geólogo Paulo Roberto Martini, 60 anos, da Divisão de Sensoriamento Remoto do Inpe. Ele comentou que as medições anteriores foram feitas sem o uso de metodologias científicas: “Esse resultado mostra que, às vezes, as verdades mais bem estabelecidas têm de ser revistas porque podem simplesmente não ser verdade. Pelo menos desta vez não temos acho. Temos metodologia científica e, por essa leitura, por essa interpretação, você pode colocar nos livros que o Amazonas é maior do que o Nilo”.
Em junho de 2007, uma expedição, que incluía representantes do Inpe, do Instituto Geográfico Militar do Peru, da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), já havia determinado a nascente do rio Amazonas. Desde o início dos anos 1990, cientistas do Inpe se debruçam sobre o gigante, por meio de sensoriamento remoto e geoprocessamento, tecnologias utilizadas no Programa Espacial Brasileiro. Foram usadas imagens dos satélites norte-americanos Landsat, distribuídas pela Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos. Os pesquisadores marcaram o traçado dos dois rios e com ajuda de um programa de computador calcularam a extensão deles da nascente à foz.
Em maio de 2008, o vice-presidente da Sociedade Geográfica de Lima, professor Zaniel Novoa, após 12 anos de investigação, confirmava a versão do explorador polonês Jacek Palkiewicz, que, em 1996, localizou a nascente do Amazonas e afirmou que o rio sul-americano era mesmo o maior do mundo. Até a segunda metade do século XX, os geógrafos apontavam o Nilo como o maior. Desde que o Amazonas foi batizado, em 1500, foram identificadas nascentes em vários pontos do Peru, contudo a nascente verdadeira se encontra a 5.179 metros de altitude, próximo do monte nevado Quehuisha, na região sul de Arequipa, no Peru.
O Amazonas foi chamado pelo navegador espanhol Vicente Yañez Pizón, em 1500, de Mar Doce; o também espanhol Francisco Orellana mudou-o para Amazonas, em 1542. O colosso marrom, que no estado do Amazonas recebe o nome de Solimões e nos estados do Pará e Amapá, de Amazonas, é a espinha dorsal da maior bacia hidrográfica do mundo, formada por 7 mil afluentes, abrangendo uma área, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), de 6,110 milhões de quilômetros quadrados, no norte da América do Sul, banhando Peru (17%), Equador (2,2%), Bolívia (11%), Brasil (63%), Colômbia (5,8%), Venezuela (0,7%) e Guiana (0,2%). Só a bacia do rio Negro, afluente da margem esquerda do Amazonas, contém mais água doce do que a Europa.
Da nascente até 1.900 quilômetros, o Amazonas desce 5.440 metros; desse ponto até o Atlântico, a queda é de apenas 60 metros. Suas águas correm a uma velocidade média de 2,5 quilômetros por hora, chegando a 8 quilômetros, em Óbidos, cidade paraense a mil quilômetros do mar e ponto da garganta mais estreita do Amazonas, com 1,8 quilômetro de largura e 50 metros de profundidade.
Fora do estuário, a parte mais larga situa-se próxima à boca do rio Xingu, à margem direita, no Pará, com 20 quilômetros de largura, mas nas grandes cheias chega a mais de 50 quilômetros de largo, quando as águas sobem ao nível de até 16 metros. O Amazonas é navegável por navios de alto-mar da embocadura à cidade de Iquitos, no Peru, ao longo de 3.700 quilômetros. Seu talvegue, nesse curso, é sempre superior a 20 metros, e chega a meio quilômetro de profundidade próximo à foz. A bacia amazônica conta com 25 mil quilômetros de rios navegáveis.
A vazão média do rio-mar é de pelo menos 200 mil metros cúbicos de água por segundo, o suficiente para encher 8,6 baías da Guanabara em um dia. No Atlântico, despeja, em média, 400 mil metros cúbicos de água por segundo; chega, portanto, a despejar 600 mil metros cúbicos de água por segundo no mar. Num único dia, o Amazonas deságua no Atlântico mais do que a vazão de um ano do rio Tamisa, na Inglaterra. O colosso contém mais água do que os rios Nilo, na África; Mississipi, nos Estados Unidos; e Yangtzé, na China, juntos.
O Amazonas despeja também no mar 3 milhões de toneladas de sedimento por dia, 1,095 bilhão de toneladas por ano. O resultado disso é que a costa do Amapá está crescendo. A boca do rio, se escancarando do arquipélago do Marajó, no Pará, até a costa do Amapá, mede 240 quilômetros, e sua água túrgida de húmus penetra 320 quilômetros no mar, atingindo o Caribe nas cheias e fertilizando o Atlântico com 20% da água doce do planeta. O húmus despejado pelo gigante no Atlântico torna a costa do Amapá uma explosão de vida marinha, o ponto mais rico da Amazônia Azul, no Brasil mais mal-guardado pela Marinha de Guerra e menos estudado pela academia.
“O que me intriga, não apenas no conteúdo da educação fundamental brasileira, mas também na base de informações científicas e acadêmicas no Brasil, é a pobreza de informações ambientais e biológicas sobre essa região, batizada de Mar Dulce pelo navegador espanhol Vicente Yañez Pinzón, em 1500, mesmo ano em que Cabral achava o Brasil” – comenta o oceanógrafo Frederico Brandini.
Ele lembra que, no Amapá, as autoridades estão pouco preocupadas com o estudo da Amazônia Atlântica, e as costas do Amapá e do Pará são um inacreditável banco de vidas marinhas, coalhado de piratas, que vão lá pegar, de arrastão, pescados, lagostas, camarão e outros frutos do mar. Tenho notícia de que pescadores paraenses já capturaram na altura da Vila de Sucuriju, no município de Amapá, um marlim azul de meia tonelada. Nem Ernest Hemingway conseguia espadarte desse porte no Gulf Strea
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