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10/20/2012

RAY CUNHA


Anoitece na Estação das Docas, docemente, como negra em vestido de seda De tão intenso, o azul sangra, como choram jasmineiros em noites tórridas!


Belém do Pará, nua


BRASÍLIA, 20 de outubro de 2012 – Quem chega de avião a Belém, à noite, à direita da aeronave, divisa, lentamente, a miríade de LEDs, bruxuleantes, sobre a península que avança para a escuridão, até que os contornos do rio Guamá vão ficando cada vez mais nítidos, à medida que se alarga na baía de Guajará, torres iluminadas se agigantam e os telhados das casas se aproximam. Subitamente, os gigantescos pneus do jato se chocam no chão de concreto e a nave desliza, veloz, começando a taxiar rumo ao terminal de passageiros. Ao pisarem no aeroporto de Val-de-Cães, os iniciados já começam a sentir, plenamente, a Cidade das Mangueiras. Pelo rio, de dia, ela surge como mulher emergindo, de repente, salpicando água, nuazinha.

Todas as cidades são semelhantes, inclusive Brasília, porém, conforme a iniciação de quem mergulha nelas, são portais para outras dimensões. Contudo, todas têm algo em comum: são mulheres, e como mulheres, não podem ser decifradas; precisam apenas de ser amadas, pois só para isso existem, como poemas escritos por Deus.
Da mesma forma que as mulheres, as cidades são redes de labirintos intermináveis, abismos de segredos, por onde navegamos, sempre perdidos, mas firmemente guiados pelo azul mais azul, tão intenso que sangra. As cidades, exatamente como as mulheres, são choro de jasmineiros em noites tórridas, quando se abrem, de corpo e alma, aos nossos sentidos. Mergulhamos nas ruas das cidades do mesmo jeito que cavalgamos a luz, nos abismos femininos.
Sentado no calçadão defronte ao Colégio Nossa Senhora de Nazaré, ao embalo estático das 6 horas da tarde, caminho ao lado de cada uma das mulheres que passam, espargindo Chanel número 5, sob seus vestidos estampados. Então descubro o segredo da Hileia, deslindo o mistério, e, assim, o amplio: toda a Amazônia está contida num ramo de jambu. E é assim, nesse estado, que me acomodo numa cadeira de palhinha na Estação das Docas. Ao longe, um navio segue para o norte. Sinto cheiro de maresia, Cerpinha, merengue, à passagem de uma negra caribenha em vestido de seda, sílfide equina.
Continental e insular, Belém é o encontro da Grande Floresta Tropical com o oceano Atlântico nas águas salobras de Mosqueiro; o encontro da Hileia com a cidade pós-moderna; do ribeirinho com o cosmopolita; a Cidade Morena.
Amanhece em Belém do Pará. À medida que o dia vai esquentando e seus habitantes se movimentam, os subterrâneos vão minando. A cidade despeja esgoto in natura no rio. Há bairros, em Belém, nos quais moradores vivem em cima da merda. Outros, quando chove grosso e durante horas, vão para o fundo. Seu trânsito é caótico, e a segurança, como no resto do país, beira a lei da selva. Turistas só vão lá porque viver não é preciso; conhecer Belém é preciso.
Já faz tanto tempo que essa fêmea amazônida, esse portal do realismo fantástico, vem sendo estuprada por ratos que mordem seus seios, de onde, em vez de leite da mulher amada mina sangue de crianças de rua apedrejadas! Belém precisa de um prefeito que a ame, que a faça rir, que a revele em todo seu esplendor, como mulher ao toucador, absorta, nua.

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♦ RAY CUNHA – Escritor e Jornalista baseado em Brasília-DF, Brasil

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