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5/04/2017

RAY CUNHA


O Alquimista



Foi em março que meu paciente favorito me presenteou O Mago – A Incrível História de Paulo Coelho, de Fernando Morais. Além de terapeuta em Medicina Tradicional Chinesa, sou escritor, e meu paciente favorito é mestre em Teoria Literária pela Universidade de Brasília. Antes de começarmos o tratamento, já costumávamos nos encontrar no Conjunto Nacional para almoçar ou simplesmente tomar café, mas, sobretudo, bater papo durante horas sobre literatura. Somos apaixonados por literatura. Eu também atendo a filha do meu paciente favorito, uma princesa de 16 anos que a mim lembra anjos do cinema, e que me deixa em dúvida sobre quem se beneficia mais da terapia: ela ou eu. Talvez ambos, porque ela também é leitora inveterada e sua alegria, seu riso, funciona em mim como injeção que vai lavando impurezas da minha alma. As crianças são poderoso combustível para a luz. Quando conversamos com elas com o coração limpo, ouvimos os sons da alma.

Eu morava em Manaus e já era jornalista quando li A Ilha, de Fernando Morais, uma reportagem sobre Cuba, publicada em 1976, e que se tornou, imediatamente, um ícone da esquerda brasileira. Comunismo é, hoje, sinônimo de crime organizado, mas Fernando Morais continua sendo um dos mais talentosos jornalistas brasileiros. A biografia que ele escreveu de Paulo Coelho é da estirpe dos biógrafos ingleses e americanos. Nada da apologia dos biógrafos brasileiros, que erigiam monumentos. Fernando Morais vai fundo, observa o biografado inclusive fornicando, extrai-lhe os pensamentos mais íntimos, leva o leitor a enxergar com lupa as entranhas do objeto biografado, não poupa nada que possa elucidar qualquer dúvida.

E quando uma dupla como Fernando Morais e Paulo Coelho se junta o efeito é espetacular. Até março passado, Paulo Coelho era um escritor que eu acompanhava de longe, lendo entrevistas suas como, por exemplo, a da Playboy de agosto de 2008. Aqui e ali, nas minhas expedições às livrarias, folheava algum livro de Paulo Coelho, talvez movido pela curiosidade, pois como um escritor tão chicoteado pela crítica pode ter se tornado o maior best-seller do mundo, e ser amado inclusive pelos franceses, que são amantes dos grandes escritores?

Depois que li o extraordinário texto de Fernando Morais, resultado de minuciosa investigação, Paulo Coelho se revelou inteiro para mim, e pude compreender tudo. Entendi, prontamente, seu sucesso. A alquimia do ficcionista carioca combina marketing, hermetismo e criatividade.

Como disse, durante muitos anos a paixão dos franceses por Paulo Coelho foi para mim um enigma, daí porque logo depois que li O Mago parti para O Alquimista, o primeiro livro do mago traduzido para o francês, e que alçou Paulo Coelho ao Olimpo das mais badaladas celebridades mundiais.

Tenho uma amiga jornalista de quem pude observar a trajetória profissional e passei a admirá-la pelo seu sucesso. Ela me contou que era garota, no interior de Goiás, quando, ao ler O Alquimista, descobriu que poderia vir para Brasília e encontrar seu tesouro pessoal.

O Alquimista é uma parábola. Talvez queira dizer que no momento em que entramos em harmonia com o universo o relicário que todos nós temos no coração se revela, e o Universo conspira para que realizemos nosso desejo. E também encontrei em O Alquimista um riacho tão cristalino quanto o que jorra na alma do Santiago de O Velho e o Mar; a mesma pureza da minha paciente, que é a pureza do Pequeno Príncipe; a mesma sabedoria do alquimista.

Soube também que venho praticando alquimia sem o saber, pois o que é alquimia senão trilhar o caminho, despindo-se de apegos, procurando ser útil, até poder ouvir o som da Terra no espaço, o choro dos jasmineiros, o hálito das rosas?


Só tenho a gradecer ao meu paciente favorito e à sua princesinha, ao Fernando Morais e ao Paulo Coelho por descobertas tão importantes. Obrigado por tudo!






♦♦♦ RAY CUNHA – Escritor e Jornalista baseado em Brasília-DF, Brasil, e o mais antigo colunista do Jornal do Feio

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