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4/11/2009

Dênis Cavalcante


A Arte de não fazer nada

Tenho um amigo que possui uma profissão única e invejável: fiscal da natureza. Ou seja, se dedica à sublime e difícil arte de não fazer nada. Há décadas começa o dia fazendo sempre a mesma coisa. Acorda, lê os matutinos, toma café e, ainda bubuiando, no fundo de uma rede, inicia os telefonemas para se atualizar, pôr em dia as novidades. Almoça cedinho (onze horas). Depois, liga a tevê e assiste aos canais de notícia. Esgotado, tira uma sesta até as quatro. Afinal de contas, ninguém é de ferro. Acorda, toma banho e vai à cata dos amigos. E são justamente as amizades seu maior paradoxo. Explico. Como não tem com o que se preocupar, se dedica de corpo e alma aos amigos. E olha que eles são muitos. Dorme, e no outro dia faz tudo sempre igual (como na letra de Chico Buarque). Vocês acham que é tarefa fácil? Então tentem.
Todo esse preâmbulo porque, na segunda, uma gripe (agora é virose) violentíssima me pegou de jeito. O corpo todo doía. Suei frio, uma tosse intermitente, uma febre terçã tomou conta do meu ser. Quando retirei o termômetro, não acreditei: 40.6 graus. Uau! Se botassem um ovo no meu sovaco, ficaria no ponto em poucos minutos. Tomei uma overdose de anti-térmicos, outra de antitussígenos, toneladas de vitamina C e me enfurnei no quentinho do meu edredon. Mas como apregoa o pessimista Murphy, muita coisa ainda estava por acontecer. A noite caiu e nada da família chegar. Tem coisa pior do que ficar doente e não ter ninguém pra cuidar da gente? Apesar do gosto de guarda-chuva velho na boca, a total falta de apetite, eu precisava me alimentar. O pior é que com a chegada da gripe, meus dois mais aguçados sentidos (olfato e paladar) foram totalmente anulados. Preparei um suquinho de laranja, abri um pacote de bolachas creme craker, lambuzei manteiga e enfiei goela abaixo. Para arrematar, um copinho de geléia de mocotó. Tirando a gripe – tem coisa melhor? Adormeci, tentando em vão ler um livro. Só acordei com os pingos da tempestade entrando sem pedir licença, janela adentro. Pai d´égua. Gripadíssimo, caindo pelas tabelas, e ainda pego chuva da madrugada.
No dia seguinte acordei pior, bem pior. Chegou-se a pensar em dengue, tal a quantidade de calafrios que acometiam meu corpo. Impossibilitado de me locomover, tratei de chamar o Laboratório Paulo Sergio Azevedo, em casa. Chegaram rapidola e me subtraíram hectolitros de sangue. Precisa tirar tanto sangue pra fazer uns examezinhos?
Passei o resto do dia razoavelmente bem, cheguei até a aventar a hipótese de mexer nas panelas no Baú Bistrô. Mas quando anoiteceu… Começou tudo de novo. Calafrios, febre, tosse… Mais uma noite gemendo. Calma lá! Apreendi como meu velho pai: quando algo dói, gema. Seja dor do corpo ou da alma. Incomoda quem está ao teu lado. Contudo, enquanto estiveres gemendo, não sentirás dor. Experimentem.
Como no dia anterior, fiquei jogado no fundo da rede, esperando a danada da gripe me largar de mão. E ela lá, renitente, a me perseguir como cães em filme de terror. Outra noite insone, mais uma noite passando mal. Quando esse suplício irá acabar?
Na quinta – como num passe de mágica - acordei sem febre, quase zerado. Eis aí a ligação entre eu e meu amigo do começo da crônica - aquele que não faz nada. Como ele consegue? Eu fiquei ilhado em casa por quatro longos e intermináveis dias e quase pirei. Repito: Como é que ele…?

cronista9@hotmail.com

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