De tão azul, sangra
O sabiá da minha quadra começa sua armadilha de amor às 4h30. Levanto-me, com seu canto, às 5. Ligo o abajour do criado mudo, me visto, ponho um casaco e vou ao banheiro. Depois vou para a cozinha e preparo café Três Corações, gourmet. Bebo três xícaras de fumegante arábica com leite em pó, pãezinhos com manteiga ou doces. Faço minhas orações. São 6 horas. Os pássaros fazem algazarra na fria manhã de agosto.
Ao sair de casa dou de cara com nova rosa no jardim. É uma pequena rosa amarela, que se banha, sem prestar atenção a mim, ao sol redentor. Namoro-a. Ela continua seu banho, alheia ao mundo. As rosas são assim, só se importam com o sol. São indiferentes até aos beija-flores e às borboletas.
Contudo, Deus arrumou a manhã para mim, e as rosas, que se desnudam ao sol, estão na manhã, assim como as mangueiras, grávidas, e o ar prenhe de risos de crianças e tênue perfume das virgens ruivas, Chanel número 5 e mar.
Depois do trabalho, de volta à casa, paro no Big Bar, na 311 Sul, e peço uma Bohemia. Está enevoada. O rio da tarde murmura. A tarde se evola, se dilui. Os flocos negros da noite começam a cair. O sol se põe e os sons da tarde vão dando lugar à noite. Uma mulher passa na calçada. É uma linda mulher, que enobrece mais ainda os murmúrios do anoitecer.
Lembro-me, de repente, do Walmir Botelho, que me ensinou a transitar nas esquinas tumultuadas das redações dos jornais. O Walmir Botelho é diretor de redação de O Liberal, de Belém do Pará. Quando vou a Belém, tomo banho bebendo Cerpinha, vendo a cidade lá embaixo, da janela do hotel. Em Goiânia, bebo Brahma; no Rio de Janeiro, chopp da Brahma; em Manaus, Antarctica. Bebi durante 40 anos e deixei de beber para valer em 2008, mas uma vez ou outra bebo vinho ou Bohemia, ou Cerpinha.
Vou para casa. Em casa, olho para a pilha dos livros que estou lendo. O primeiro deles é Da Minha Janela – Crônicas da política brasileira (LGE Editora, Brasília, 2010), do jornalista André Gustavo Stumpf. Vou resenhá-lo. Também preciso ler História Desagradáveis, de Gladstone Machado de Menezes (LGE Editora, Brasília, 2010). Estou lendo em casa A Bíblia de Jerusalém, que me foi recomendada por Erwin Von-Rommel, autor de 100 Segredos (Zennex Publishing, São Paulo, 2003). À noite, na cama, leio A Verdade da Vida, volume 3 (Seicho-No-Ie do Brasil, 1962), de Masaharu Taniguchi. Quando vou para o trabalho, leio O livro dos espíritos (Instituto de Difusão Espírita, São Paulo, 1984), de Allan Kardec.
Coloquei ainda na pilha O Pequeno Príncipe (Agir, Rio de Janeiro, 1987), de Saint Exupéry. Li-o há muito tempo. Depois o li novamente, para minha filha, Iasmim, quando minha princesinha era um bebê. Lembro-me dos grandes olhos negros da Iasmim pousados nos meus enquanto lia o livro. Foi então que comecei a chamar para minha princesinha de “meu bem”. E também foi Exupéry que me despertou para as coisas que não vemos com os olhos físicos, mas apenas com o coração.
Ao chegar em casa, vejo que que o carteiro deixou dois pacotes. Abro-os. São livros. Um é para eu entregar para o Joy Edson (José Edson dos Santos); o outro é para mim. Trata-se de Adoradores do Sol – Novo textuário do meio do mundo (Scortecci, São Paulo, 2010), de Fernando Canto. Fernando Canto é o escritor que melhor representa Macapá, a cidade que fica na esquina do maior rio do mundo, o Amazonas, com a Linha Imaginária do Equador, no mundo das águas, a meio caminho do Caribe e da Hileia. Vou mergulhar no texto de Fernando Canto, pois estou há muito tempo em Brasília.
A noite lá fora é azul escura, tão azul que sangra.
_____________________
Brasília, 23 de agosto de 2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário