Sarau da Câmara dos Deputados e o Círio de Nazaré
Brasília - Segunda-feira 15, o Espaço Cultural Zumbi dos Palmares realizará o XXI Sarau da Câmara dos Deputados, no Teatro Sesc Garagem, na 913 Sul, a partir das 20 horas, quando homenagearão três monumentos vivos: os poetas Thiago de Melo, do estado do Amazonas; Manoel de Barros, de Mato Grosso; e o gaúcho Fabrício Carpinejar. Pernambuco cedeu o patrono do evento, João Cabral de Melo Neto.
A escritora paulista Cida Sepúlveda lançará Coração Marginal (Editora Bertrand Brasil, São Paulo, 2007), os participantes do Primeiro Desafio aos Contistas serão homenageados e duas performances de dança e violoncelo farão ainda mais inesquecível a noite, sob trilha sonora de Caetano Veloso, interpretado por Salomão de Pádua, Virgínia Studart, Goya e Lúcia de Maria, tudo regado a farto coquetel oferecido pelo Sindilegis. Grátis!
Antes da noite mágica de segunda-feira, já não controlo meu coração. Domingo 14, em Belém do Pará, há o Círio de Nossa Senhora de Nazaré. Como prisioneiro que sou no céu infinito de Brasília, só me resta o meu coração, que tudo vê, tudo sente. É assim que estarei presente ao Altar em Chamas.
A festa em homenagem à padroeira do Pará começou em 1793, sempre no segundo domingo de outubro, quando uma imagem de Maria é transportada da Igreja da Sé, a Catedral Metropolitana de Belém, para a Basílica de Nazaré. Às 6h30, começa, na Catedral, a grande procissão, ao longo de 3,6 quilômetros, em direção à Basílica, rio de 2 milhões de romeiros. Na Corda, todos, do político ao cabano, unem-se ao Éter, que é Deus. Assim é que o segundo domingo de outubro é o Natal dos paraenses; o dia em que há pato no tucupi ou maniçoba até na mesa dos miseráveis. Se não há presentes, como no Natal, todos comem.
O Círio é antecedido, sábado, por uma sinfonia fluvial, a romaria na baía do Guajará. Por volta das 9 horas, centenas de embarcações acompanham a imagem da Virgem ao longo de 18 quilômetros, de Icoaraci, a Vila Sorriso, à Escadinha do Porto de Belém. Espetáculo inesquecível. Ano passado, fui jurado na escolha dos melhores barcos em cada categoria, e guardei tudo no relicário da minha memória. Sábado ainda, às 18 horas, a imagem é trasladada do Colégio Gentil Bittencourt à Catedral. No trajeto, os estivadores do Porto de Belém oferecem aos olhos e ao coração um espetáculo pirotécnico que é um deslumbramento.
O tempo todo, o arraial do Círio, em torno da Basílica, é um convite aos sentidos. Então, Belém, esta cidade fantástica, se torna ainda mais apaixonante. Não perderei a oportunidade de falar sobre Belém. Em 1616, o capitão-mor Francisco Caldeira Castelo Branco, encarregado pela coroa portuguesa de conquistar, ocupar, explorar e defender a boca da Amazônia, de ingleses, holandeses e franceses, construiu o Forte do Presépio na península dos Tupinambá, à margem do rio Guamá, na baía do Guajará. Da fortaleza, a cidade se espraiou e se consolidou como a mais importante da Amazônia, e a mais encantadora.
Quando chegamos a Belém, ao amanhecer, pela baía do Guajará, nós, que a amamos, possuímos olhos para vê-la se despir, aos poucos, da névoa, até emergir, nua. Se chegarmos de avião e é noite, as luzes na península, como miríade na noite que desaba sobre a baía, anunciam-se como ovnis, até pousarmos no bolsão de sol de Val-de-Cães. À tarde, se é julho, ou mesmo outubro, o céu, de tão azul, sangra.
Belém é uma sucessão de fotografias sépias: desjejum no Ver-O-Peso - café recém-coado com tapioquinha amanteigada; peixes nos balcões de mármore do mercado - os pirarucus são, talvez, os mais bonitos, os filhotes são enormes e os meros, imensos, há sempre piramutaba, pescada, tucunaré, curimatã, tamuatá, gurijuba, mapará, camarão e toda sorte de frutos do mar; almoço no Ver-O-Peso - dourada com pirão de açaí, ou filhote no Restaurante Remada, ou dourada com vinagrete e farofa na Vila Sorriso, ou pirarucu ao molho de castanha-do-pará no Mangal das Garças; à tarde, vagabundeamos, tomamos tacacá na banca do Colégio Nazaré e sorvete de tapioca na Cairu, e, à noite, jantamos calderada de filhote no Remada e bebemos Cerpinha no banheiro do hotel e enquanto nos arrumamos para o encontro com a madrugada. Os dias se sucedem com cheiro de maresia, mulheres caminhando, merengue, bebedeiras, o rio.
Belém é a Catedral da Virgem; de todos os sonhos, o que mais me transmite a sensação de ofertar rosas para a madrugada, lembranças guardadas numa prece. A Cidade das Mangueiras me emociona como as mulheres mais bonitas do mundo, pois exala o perfume das virgens ruivas, esparge um rastro de devaneio, que só podemos sentir com o coração. E, como as mulheres muito belas, é inesgotável de tão intensa.
Ungido pelos deuses, entrei neste santuário e dele estou grávido para sempre. Mesmo na solidão do exílio na cidade mais estrangeira, Belém, como as mulheres muito bonitas, desencadeia, na minha memória, um cataclismo de rosas colombianas, o Concerto Para Piano e Orquestra, em Ré Menor, de Mozart, o perfume das virgens ruivas, jasmineiros chorando em noite tórrida, o céu de julho, na Amazônia, que, de tão azul, sangra, risos povoando a tarde e entrando em nossa vida.
Quero morrer em Belém do Pará, onde ouço o riso das mulheres mais bonitas do mundo, observo-as trotando nos calçadões, sentadas, tomando tacacá ao cair da noite, naquele momento em que a noite cai lentamente, acamando-se, até as luzes da noite tremeluzirem como composição de Debussy, e sentimos o sabor de leite da mulher amada, lábios de pétalas de rosas vermelhas, esmigalhadas, Chanel Número Cinco, Mateus Rosé, Dom Perignon, rosas da madrugada e maresia.
Acomodado numa cadeira de palinha, na Estação das Docas, observo o rio e a tarde. Um iate parte. Talvez, vá para Macapá, ou para Trinidad e Tobago. Talvez, vá para Caiena. Ou para Mosqueiro. Ou Salinas. De qualquer forma, haverá de ir para um lugar lindo, pois a tarde é povoada de mulheres deslumbrantes, trajadas em vestidos de seda. Vindo de algum lugar, remoto, penso ouvir merengue. Concentro-me numa prece. O mundo gira. Sinto a mesma vertigem de missa na catedral quando ainda somos criança. Tenho certeza, então, de que estou em Belém.
Mas, hoje, não posso caminhar nas tuas ruas e ir aos segredos que só eu conheço
Nem ouvir o anoitecer na Estação das Docas
Nem ver passar as mulheres mais bonitas do mundoenquanto tomo tacacá defronte ao Colégio Nazaré
Nem ouvir o som do rio.
O mundo, às vezes, nos quebra, mas tudo o que amamos permanece intactono relicário do nosso coração.
Faz tanto tempo, e ainda ouço as madrugadas
E o mundo girar ao perfume de gim inglês, no Cosa Nostra
E a alegria das mulheres ao som de merengue, no Kalamazoo
Nos murmúrios na tarde.
Resta-me esta declaração de amor desesperado,
de alguém que vive na cidade mais estrangeira.
E um navio de rosas colombianas, vermelhas, navegando no rio da tarde.
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