Círio de Nazaré: Uma Visão Agnóstica
O nosso famoso Círio não figura entre as procissões mais antigas de Belém do Pará; nem é a do orago da cidade. Mas, juntamente com a Cabanagem, são os dois maiores exemplos do poder afirmativo das massas populares, na história paraense.
Segundo nos informa, entre outros, o historiador (monarquista) Manoel Barata (“Apontamentos para as Efemérides Paraenses”, IHGP,Rio,1921, e a 2ªedição,pela UFPA,em 1973), que nem cita o dia 8 de Setembro de 1873 (importante para a História,como a primeira procissão),as mais importantes procissões da cidade, nos primórdios da colonização portuguesa,eram a do Corpo de Deus, a de Santa Isabel e a do Ângelo Custódio (lembram-se?): todas três financiadas pela Câmara Municipal, por fôrça de lei, com caráter de “festas reais”, procuram não divulgar os sofistas ciriólogos de sacristia.
Etmologicamente, círio vem do latim “cereus”, que é uma tocha ou vela grande, ou a procissão que, partindo de uma localidade, vai levar um círio a outra. Os arquétipos deste fato estão na origem da história da humanidade, quando nossos ancestrais, vivendo em cavernas, descobrem o divino fogo. Já na mitologia grega, temos a alegoria de Prometeu.
Esse sentido do fogo como uma coisa viva, para ser protegido e cuidado, não deve ser encarado apenas como uma questão primitiva. É encontrado nas raízes de muitas civilizações modernas. Cada casa da antiga Grécia, e de Roma, e entre os brâmanes da antiga Índia, possuía uma lareira e uma série de leis prescritas para cuidar da chama. A morte da chama na lareira era sinônimo de morte na família.
Em todas três culturas o ritual da lareira estava conectado com o culto dos ancestrais. Esta é a origem da chama eterna, um símbolo ainda muito utilizado em cerimoniais religiosos, políticos e esportivos, em todo o mundo. Como ilustração literária, lembraremos a conceituação de epifania de James Joyce e D’Annunzio, tão bem analisada por Umberto Eco: vem do grego “epiphaino”,e quer dizer uma aparição, o ato de mostrar-se, de fazer conhecer-se, de revelar: como um relâmpago de intuição, num determinado momento, tudo se transfigura e resplandece ! Um milagre...
A procissão do Círio de Nazaré (o carnaval devoto, no dizer do escritor Dalcídio Jurandir, em seu romance “Belém do Grão-Pará”,Rio,1960), como chamamos hoje, surgiu muito depois daquelas procissões que falei no início deste artigo. Ela representa o predomínio de origem popular sobre as fórmulas tradicionais de origem oficial. Nos seus aspectos formais, no cerimonial de rua, ele é de origem lusitana, com as diferenças específicas: ver Câmara Cascudo, que dedicou-lhe dois verbetes (CÍRIO e NAZARÉ), no seu grande “Dicionário do Folclore Brasileiro”.
Embora seja o maior acontecimento religioso do Brasil (em termos de afluência e vibração),, a de Aparecida (SP), com a maior igreja da América Latina, fica-lhe aquém, (espero que a ministra Marta tenha constatado),e menos ainda as procissões do Senhor do Bom Fim (BA), e de N.S.da
Penha (RJ).
Maior multidão para culto religioso, só na Índia, em homenagem à deusa Kumbhmela, e outras poucas, com participação de quinze milhões de adeptos. Bom lembrar, que o Círio não figura em “Festas e Tradições Populares do Brasil”, DE Melo Morais Filho. E o fato mereceu reparo de José Veríssimo, que mesmo fazendo restrições, às nossas festas religiosas, a considerou “talvez a mais característica do Brasil”. E, é bom relembrar que as mais sérias restrições ao Círio e à festa de Nazaré, saíram da pena de dois grandes expoentes da velha cultura paraense: o José Veríssimo (co-fundador da ABL, com Machado de Assis, e como também o obidense Inglês de Souza,em 1896), e Arthur Viana, que viam caráter pouco religioso na festa. Veríssimo vai além, declarando em “As Populações Indígenas e Mestiças da Amazônia”: “desejaria , ardentemente, a extinção do mesmo,para honra de nossa civilização”.
E, poucos sabem, a primeira obra escrita especificamente sobre o Círio, é do visionário cabano Felipe Patroni (agora, personagem principal do satírico romance do Haroldo Maranhão, “Cabelos no Coração”,1990). É uma obra de extenso título, como era seu costume, conforme nos informa Eidorfe Moreira, em sua monografia “Visão Geo-social do Círio”, UFPA,1971). Eis o título: “Prólogo galeato da festa de N.S.de Nazareth, no dia de seu círio ,em 9 de setembro de1850, na cidade de Belém,capital do Grão-Pará”, Lisboa,1851.
No seu “Juízo Crítico”, sobre as obras de Felipe Patroni, nada noz diz o Barão de Guajará (Domingos Antonio Rayol) a respeito, a não ser que ela reflete, como as outras dessa época,a insanidade mental que atingiu o autor. Também recomendamos aos leitores interessados, a leitura das obras de Oswaldo Orico (culinária), Leandro Tocantins e Vicente Sales, Serafim Leite, Carlos Rocque, Mízar Klautau, H.Montorroyos, bem como todos os jornais e arquivos públicos possíveis. Vamos pesquisar detalhadamente para esclarecermos toda a verdade, desde à devoção do Círio,em Portugal.
E uma feliz festa !
Luiz Lima Barreiros - 17.10.2007
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O nosso famoso Círio não figura entre as procissões mais antigas de Belém do Pará; nem é a do orago da cidade. Mas, juntamente com a Cabanagem, são os dois maiores exemplos do poder afirmativo das massas populares, na história paraense.
Segundo nos informa, entre outros, o historiador (monarquista) Manoel Barata (“Apontamentos para as Efemérides Paraenses”, IHGP,Rio,1921, e a 2ªedição,pela UFPA,em 1973), que nem cita o dia 8 de Setembro de 1873 (importante para a História,como a primeira procissão),as mais importantes procissões da cidade, nos primórdios da colonização portuguesa,eram a do Corpo de Deus, a de Santa Isabel e a do Ângelo Custódio (lembram-se?): todas três financiadas pela Câmara Municipal, por fôrça de lei, com caráter de “festas reais”, procuram não divulgar os sofistas ciriólogos de sacristia.
Etmologicamente, círio vem do latim “cereus”, que é uma tocha ou vela grande, ou a procissão que, partindo de uma localidade, vai levar um círio a outra. Os arquétipos deste fato estão na origem da história da humanidade, quando nossos ancestrais, vivendo em cavernas, descobrem o divino fogo. Já na mitologia grega, temos a alegoria de Prometeu.
Esse sentido do fogo como uma coisa viva, para ser protegido e cuidado, não deve ser encarado apenas como uma questão primitiva. É encontrado nas raízes de muitas civilizações modernas. Cada casa da antiga Grécia, e de Roma, e entre os brâmanes da antiga Índia, possuía uma lareira e uma série de leis prescritas para cuidar da chama. A morte da chama na lareira era sinônimo de morte na família.
Em todas três culturas o ritual da lareira estava conectado com o culto dos ancestrais. Esta é a origem da chama eterna, um símbolo ainda muito utilizado em cerimoniais religiosos, políticos e esportivos, em todo o mundo. Como ilustração literária, lembraremos a conceituação de epifania de James Joyce e D’Annunzio, tão bem analisada por Umberto Eco: vem do grego “epiphaino”,e quer dizer uma aparição, o ato de mostrar-se, de fazer conhecer-se, de revelar: como um relâmpago de intuição, num determinado momento, tudo se transfigura e resplandece ! Um milagre...
A procissão do Círio de Nazaré (o carnaval devoto, no dizer do escritor Dalcídio Jurandir, em seu romance “Belém do Grão-Pará”,Rio,1960), como chamamos hoje, surgiu muito depois daquelas procissões que falei no início deste artigo. Ela representa o predomínio de origem popular sobre as fórmulas tradicionais de origem oficial. Nos seus aspectos formais, no cerimonial de rua, ele é de origem lusitana, com as diferenças específicas: ver Câmara Cascudo, que dedicou-lhe dois verbetes (CÍRIO e NAZARÉ), no seu grande “Dicionário do Folclore Brasileiro”.
Embora seja o maior acontecimento religioso do Brasil (em termos de afluência e vibração),, a de Aparecida (SP), com a maior igreja da América Latina, fica-lhe aquém, (espero que a ministra Marta tenha constatado),e menos ainda as procissões do Senhor do Bom Fim (BA), e de N.S.da
Penha (RJ).
Maior multidão para culto religioso, só na Índia, em homenagem à deusa Kumbhmela, e outras poucas, com participação de quinze milhões de adeptos. Bom lembrar, que o Círio não figura em “Festas e Tradições Populares do Brasil”, DE Melo Morais Filho. E o fato mereceu reparo de José Veríssimo, que mesmo fazendo restrições, às nossas festas religiosas, a considerou “talvez a mais característica do Brasil”. E, é bom relembrar que as mais sérias restrições ao Círio e à festa de Nazaré, saíram da pena de dois grandes expoentes da velha cultura paraense: o José Veríssimo (co-fundador da ABL, com Machado de Assis, e como também o obidense Inglês de Souza,em 1896), e Arthur Viana, que viam caráter pouco religioso na festa. Veríssimo vai além, declarando em “As Populações Indígenas e Mestiças da Amazônia”: “desejaria , ardentemente, a extinção do mesmo,para honra de nossa civilização”.
E, poucos sabem, a primeira obra escrita especificamente sobre o Círio, é do visionário cabano Felipe Patroni (agora, personagem principal do satírico romance do Haroldo Maranhão, “Cabelos no Coração”,1990). É uma obra de extenso título, como era seu costume, conforme nos informa Eidorfe Moreira, em sua monografia “Visão Geo-social do Círio”, UFPA,1971). Eis o título: “Prólogo galeato da festa de N.S.de Nazareth, no dia de seu círio ,em 9 de setembro de1850, na cidade de Belém,capital do Grão-Pará”, Lisboa,1851.
No seu “Juízo Crítico”, sobre as obras de Felipe Patroni, nada noz diz o Barão de Guajará (Domingos Antonio Rayol) a respeito, a não ser que ela reflete, como as outras dessa época,a insanidade mental que atingiu o autor. Também recomendamos aos leitores interessados, a leitura das obras de Oswaldo Orico (culinária), Leandro Tocantins e Vicente Sales, Serafim Leite, Carlos Rocque, Mízar Klautau, H.Montorroyos, bem como todos os jornais e arquivos públicos possíveis. Vamos pesquisar detalhadamente para esclarecermos toda a verdade, desde à devoção do Círio,em Portugal.
E uma feliz festa !
Luiz Lima Barreiros - 17.10.2007
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2 comentários:
Excelente o artigo. A pesquisa deve continuar. Os agnósticos, que representam cerca de cinco porcento da população mundial -dizem algumas estimativas- deveriam escrever mais.
Impagável e inapagável luís Lima. Sempre brilhante.
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