Sonhos corruptos num dia corrompido
Brasília - Aqui vai um conto ambientado na Ilha da Fantasia, que escrevi especialmente para meus dois ou três leitores, nesta véspera de feriadão. Advirto que qualquer verossimilhança será mera coincidência.
Brasília - Aqui vai um conto ambientado na Ilha da Fantasia, que escrevi especialmente para meus dois ou três leitores, nesta véspera de feriadão. Advirto que qualquer verossimilhança será mera coincidência.
Sonhos corruptos num dia corrompido
- Adoro mamãe Congresso Nacional; ela é igual cadela, tem seis tetas, prenhes de recursos! - disse Rato Mala à sua mulher, enquanto examinava o embrulho que lhe enviaram pelos Correios. – Não se manda recursos pelos Correios; rouba-se nos Correios - disse, desconfiado, olhando o embrulho por todos os lados.
- Será que não é o décimo-quarto salário, querido? – Salamandra lhe perguntou, interrompendo ligeiramente a maquiagem.
- Não seja burra, o décimo-quarto salário é depositado no Banco Rural - disse Rato Mala, referindo-se ao pró-labore da Confraria dos Mensalistas.
Ofendida, Salamandra ficou na dela. “Ele já me chamou de anta, cérebro de galinha, hipopótamo fêmea, marmota e agora de burra” - pensou. “Mas é o homem mais charmoso que eu já conheci; tem bolsos recheados de dólares, dólares até na cueca.”
- Aarrah! - disse Rato Mala. - Olha só o que me mandaram: um cuecão com capacidade para grandes depósitos!
- Tenho orgulho de você, minha Catita. Logo você terá uma conta, ou várias contas tão recheadas como as do Dudu Geronço, ou até mesmo do Salim – disse Salamandra, concentrada no pincel de rímel.
Rato Mala derretia-se todo quando Salamandra utilizava seu apelido de criança, Catita ou Cafifa, e ao ser comparado ao seu ídolo, Salim. Parou, sonhador, e fez alguns cálculos mentais.
- Oh! não! Salaminho – disse Rato, usando um dos apelidos de Salamandra. – Ainda terei que dar muito duro para chegar a Salim.- Mas pode chegar a Dudu, não pode? – disse Salamandra, toda melosa, devido à atenção que Rato estava lhe dando. – Ocê merece, pai!
- Vou para o quarto, experimentar o cuecão. Tenho que dar uma passada, hoje, no Banco Rural e depois ir a São Paulo para me avistar com alguns companheiros.
- Cuidado no aeroporto com aquele pessoal xereta da Polícia Federal.
- Eles sabem que não podem nem se aproximar de mim; ficou tudo acertado com nosso braço na Infraero.
- E se estiverem com aqueles cachorros que vão diretamente ao dinheiro? Poderão morder sua virilha, querido!
- Só se for a sua. Esse tipo de cuecão é anti-farejamento, galinácio.
- Você já está me ofendendo de novo, ratuíno!
- Desculpe-me, querida, é que fico nervoso sempre que levo um carregamento grande para o reduto da minha estrela-guia.
- Acho que você tem que seguir o exemplo do Dudu. Ninguém consegue descobrir os depósitos dele e ele ainda continua com as contas da Ptbras.
- Você tem razão. Vou marcar um encontro com ele.
Rato Mala foi ao quarto e voltou de lá vestido com o cuecão.
- Veja, Salamandra! Sob medida! – disse Rato Mala, dando uma volta para ela ver o cuecão.
Salamandra prestou atenção.
- Ué, Catita, você tem que diminuir o ventre, porque então caberão mais verbas – disse Salamandra.
- Já mandei fazer um remédio para emagrecer.- Daquele não, homem; contém Racumin.- Humm! Acho que aquele médico da Câmara está trabalhando pro DEM. Não é com Racumin que irão acabar comigo. Já decidi: não precisarei perder minha barriguinha. Falarei com José, Nobre e Vieira. Eles aperfeiçoaram o transporte de valores e podem burlar os mais sensíveis detectores de mentira.
Salamandra olhou orgulhosa para sua ratazana, cheia de si por ter capturado um murídio tão esperto. “Se um rato desses pega o INSS, ou o Ministério de Minas e Energia, ou a transposição do rio São Francisco, ou é eleito governador do Amapá, nem a CIA, nem o Judiciário da Itália o deterá” – pensou, já fazendo planos para as compras no ParkShopping, à tarde.
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