Ele esteve aqui
Reencontrei-a como de costume – sorridente – vez em quando, ensimesmada. Após beijos e abraços, ela olhou desconfiada para um lado, depois pro outro, e quando estava certa que ninguem nos escutava, sussurrou ao pé do meu ouvido:
- O Eliel passou por aqui.
Nada de mais, não fosse o fato que nos últimos tempos, minha mãezinha anda meio zureta, consequência do insidioso Alzheimer. Sem esquecer também, que o velho já nos deixou faz quase vinte anos. Então, como ele poderia ter passado por lá?
Deixei de lado suas elocubrações e sandices, mudando providencialmente de assunto. A verdade é que sempre que retorno ao apartamento de Botafogo, me quedo pensando no velho. A garagem soturna onde ele manobrava a Vemaguet. A paisagem do morro verdejante, o espelho do corredor, as fotos preto e branco, a familia reunida – (eu era feliz e não sabia) a maçaneta de cristal da porta da frente, o vai e vem da rede estendida, seu lugar preferido.
Largo de mão as reminescências e rumo para Copacabana, casa dos sogros. No caminho, mais recordações. A mesa cativa no Bar do Manolo, onde ele tomava seu chope, degustava -pedaço por pedaço - o frango à passarinho. O monumental portão de ferro do Colégio São Fernando (ou o que restou dele) onde todas as manhãs ele ia me deixar. A bôca do Metrô da São Clemente onde ele apanhava a condução para a labuta diaria até o centro da cidade. Mais adiante, na esquina da Muniz Barreto - o restaurante Mandrake – e a lembrança, triste lembrança do almoço ajantarado que eu e minha mãe fizemos após o seu enterro no São João Batista.
Chego enfim na Paula Freitas ainda envolto, imerso nas brumas saudosas do velho. Mas é natal, momento de união, paz, alegria. As mulheres da casa ultimam os preparativos para a ceia. Peru, pernil, farofa, tender, uvas, passas, nozes... Hum! Mesmo assim não consigo deixar de pensar nele. Se vivo estivesse, estaria entre nós, esbanjando vida, saúde. Como de costume, abrindo a lata de queijo-cuia fermentado, bebericando cerveja, uisque, vinho. Estraçalhando nozes com a poderosa manopla. E sua marca registrada: o sorriso seguido de uma sonora e gostosa gargalhada.
Aos poucos, os convidados vão chegando. Beberico uma dose de uisque, mordisco uma fatia de tender, uma rama de passas... Mas, pra falar a verdade, não estou nas minhas CNTP (Condições normais de temperatuta e pressão). Lá pelas tantas, a ceia é servida. Em seguida, os presentes são trocados. Pouco tempo depois, os convidados se retiram. Os filhos se enfurnam no computador, a mulher e a sogra arrumam a casa. E eu me entrego de corpo e alma nos braços de Morfeu.
Acordo com a estranha sensação de que alguém espreitava meu sono. Olho pro lado, e vejo minha mulher ressonando suavemente. Abro a porta do quarto das crianças – todos dormindo. Penso com meus botões: Foi apenas um sonho. Feito isso, tento pegar no sono. Quem disse? Mais uma vez, aquela mesmíssima sensação que havia mais alguém no quarto. Dessa vez não ousei abrir os olhos. Algo acaricia meu rosto. O roçar dos dedos não me era estranho. Na verdade, era bem conhecido. Era a mão calejada do velho. O que restou da unha amputada do dedo mindinho, arranha de leve meu queixo. Sinto o cheiro do seu hálito, o frescor da água de barba, o sussurrar de sua voz:
- Feliz Natal meu filho.
Mamãe tinha razão: ele esteve, ele está aqui.
- O Eliel passou por aqui.
Nada de mais, não fosse o fato que nos últimos tempos, minha mãezinha anda meio zureta, consequência do insidioso Alzheimer. Sem esquecer também, que o velho já nos deixou faz quase vinte anos. Então, como ele poderia ter passado por lá?
Deixei de lado suas elocubrações e sandices, mudando providencialmente de assunto. A verdade é que sempre que retorno ao apartamento de Botafogo, me quedo pensando no velho. A garagem soturna onde ele manobrava a Vemaguet. A paisagem do morro verdejante, o espelho do corredor, as fotos preto e branco, a familia reunida – (eu era feliz e não sabia) a maçaneta de cristal da porta da frente, o vai e vem da rede estendida, seu lugar preferido.
Largo de mão as reminescências e rumo para Copacabana, casa dos sogros. No caminho, mais recordações. A mesa cativa no Bar do Manolo, onde ele tomava seu chope, degustava -pedaço por pedaço - o frango à passarinho. O monumental portão de ferro do Colégio São Fernando (ou o que restou dele) onde todas as manhãs ele ia me deixar. A bôca do Metrô da São Clemente onde ele apanhava a condução para a labuta diaria até o centro da cidade. Mais adiante, na esquina da Muniz Barreto - o restaurante Mandrake – e a lembrança, triste lembrança do almoço ajantarado que eu e minha mãe fizemos após o seu enterro no São João Batista.
Chego enfim na Paula Freitas ainda envolto, imerso nas brumas saudosas do velho. Mas é natal, momento de união, paz, alegria. As mulheres da casa ultimam os preparativos para a ceia. Peru, pernil, farofa, tender, uvas, passas, nozes... Hum! Mesmo assim não consigo deixar de pensar nele. Se vivo estivesse, estaria entre nós, esbanjando vida, saúde. Como de costume, abrindo a lata de queijo-cuia fermentado, bebericando cerveja, uisque, vinho. Estraçalhando nozes com a poderosa manopla. E sua marca registrada: o sorriso seguido de uma sonora e gostosa gargalhada.
Aos poucos, os convidados vão chegando. Beberico uma dose de uisque, mordisco uma fatia de tender, uma rama de passas... Mas, pra falar a verdade, não estou nas minhas CNTP (Condições normais de temperatuta e pressão). Lá pelas tantas, a ceia é servida. Em seguida, os presentes são trocados. Pouco tempo depois, os convidados se retiram. Os filhos se enfurnam no computador, a mulher e a sogra arrumam a casa. E eu me entrego de corpo e alma nos braços de Morfeu.
Acordo com a estranha sensação de que alguém espreitava meu sono. Olho pro lado, e vejo minha mulher ressonando suavemente. Abro a porta do quarto das crianças – todos dormindo. Penso com meus botões: Foi apenas um sonho. Feito isso, tento pegar no sono. Quem disse? Mais uma vez, aquela mesmíssima sensação que havia mais alguém no quarto. Dessa vez não ousei abrir os olhos. Algo acaricia meu rosto. O roçar dos dedos não me era estranho. Na verdade, era bem conhecido. Era a mão calejada do velho. O que restou da unha amputada do dedo mindinho, arranha de leve meu queixo. Sinto o cheiro do seu hálito, o frescor da água de barba, o sussurrar de sua voz:
- Feliz Natal meu filho.
Mamãe tinha razão: ele esteve, ele está aqui.
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