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8/10/2009




Ensaio sobre a pobreza


“Quando pobre come frango, um dos dois está doente”. (Barão de Itararé)

Uma vez por semana vou a Ceasa – ossos do oficio. A maioria das vezes, no final da manhã. Pra quem compra no atacado, os preços são bastante convidativos. Uma saca de limão sai por oito reais. A caixa de tomates vale vinte pilas. Um paneiro abarrotado de maracujás, quinze reais. E por aí vai. Mas a crônica de hoje não versa sobre os preços dos hortifrutigranjeiros.
No final da semana passada, estava eu pechinchando com os atacadistas, quando um sujeito mal ajambrado solicitou minha atenção. “O senhor poderia me dar uns trocados?” Meu primeiro impulso foi fazer olhos e ouvidos de mercador. Enquanto pensava o que dizer, observei-o com vagar. Deveria andar pela casa dos cinqüenta. Negro – nigérrimo – magro, ainda assim, elegante. As roupas, apesar de rôtas, estavam limpas. Ao seu lado, um carrinho de mão enferrujado. O olhar era triste, macambúzio. Um Príncipe de Ébano sem trono. Mais um dos milhões de brasileiros desempregados, sem perspectiva nenhuma de vida. Enquanto isso, um copeiro do Senado Federal ganha dez mil reais para servir cafezinho. Mais, bem mais que um médico que ralou dez anos. Um dos netos do Ribamar sangrava do erário doze mil pilas por mês. Sabem onde ele “trabalhava”? Em Barcelona. Empregados domésticos na folha de pagamento do Congresso, ganhando mais de dois dígitos. E por aí vai. Parafraseando Boris Casoy: isso é uma vergonha! Mas voltemos ao personagem da crônica. Tenho certeza absoluta que num passado remoto, distante, ele vivia satisfeito, vendia saúde, era altivo, orgulhoso, feliz… E agora, alquebrado, acometido por espasmos silicóticos, é obrigado a se humilhar pedindo esmolas. A contradição o atormenta, dilacera suas entranhas. A montanha-russa em que vive, o torna íntimo do abismo.
Desperto de minha catarse, ao receber o troco do feirante. Olho pro lado a procura dele e assisto uma cena triste, dantesca. Junto a outros desafortunados, ele recolhia alimentos esparramados pelo chão. Em pouco tempo o carrinho estava abarrotado de frutas, legumes e verduras descartados pelos feirantes. Alfaces murchas, repolhos com as folhas manchadas, bananas batidas, tomates furados, batatas brocadas… Meu Deus – quanta miséria! Um grito silencioso de Eros contra as vilanias de Tanatos.
A vida continua. Dei-lhe cinco pilas, comprando momentaneamente minha consciência cheia de culpas. Pego o carro e sigo em frente. Baratinado, acabei esquecendo de comprar as laranjas. Lá vou eu de novo pra Ceasa. Na volta, a me perseguir, o esmoler acocorado à beira da estrada. Desgraça só quer começo – já dizia Gonçalo Duarte. O pneu do carrinho de mão tinha estourado. Como ele iria carregar toda aquela comida até a sua casa? Abro o porta-malas e ajudo-o a colocar seus bregueços.
Em poucos minutos chegamos. Para minha surpresa, apesar de humilde, a casa era um mimo. Uma varandinha florida, sala, dois quartos, banheiro, uma cozinha pequenina, um quintal bem cuidado. No portão, a família e dois vira-latas famintos o esperam. Depois de retirar seus pertences do carro ele agradece e pergunta: “o doutor almoça com a gente?” Olho pro relógio – onze e meia. É…
Uma hora depois, o banquete estava servido. Um cozidão pra chefe nenhum botar defeito. Batatas, repolho, cebolas, bananas, couve, cenoura, meia dúzia de ossos de tutano, farinha baguda, pimentinha de cheiro amassada na hora…
Tem coisa melhor?

cronista9@hotmail.com

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