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9/05/2008

Dênis Cavalcante


Conta Comigo

O melhor momento das pessoas é quando elas estão descendo. No topo, todos são iguais’ (Jorge Guinle)


Quem não me conhece, talvez ache que o cronista vive no mundo da lua. Quiçá venda a imagem de alguém alienado, despreocupado… Não é bem assim. Às vezes fico pê da vida por não ter nascido em berço esplêndido, não ter herdado fortunas, não ter me locupletado durante minha apoteótica passagem pela vida pública. Paciência. Apenas deixei a vida me levar.
Hoje, a caminho da terceira idade, me vi numa situação inusitada. Cronista circunstancial, livreiro e leitor por opção, hedonista por convicção, quis o destino levar-me a imortalidade. Ao ingressar na APL (Academia Paraense de Letras), vesti a camisa. Como nossa confraria não dispõe de numerário suficiente para sustentar-se, eventualmente, (quase sempre) somos obrigados a passar o prato, pedir favores, esmolas… É um absurdo!
Sendo um dos mais novos acadêmicos, coube a mim a difícil tarefa de amealhar fundos. Tudo bem. Fui à luta. Procurei empresários, mecenas, pessoas que, no anonimato têm prazer em ajudar sem exigir nada em troco. Esgotada a fonte, procurei órgãos públicos, políticos. Foi aí que descobri o lado ruim da coisa.
Ingênuo, imaginei que todos teriam prazer em doar. Ledo e abominável engano. Esqueci que vivemos no Brasil. Aqui, os políticos destinam suas emendas beneficiando ONGS, Fundações fantasmas. Os milionários morrem e são enterrados com seus bens, suas fortunas, mesmo sabendo que deixarão todos os herdeiros insatisfeitos com o quinhão recebido. Melhor na Europa, na América. Lá, os biliardários deixam tostões pra família. Os bilhões, as obras de arte vão para fundações, museus, beneficências. Tergiversei. O assunto era, é a arrecadação de fundos para a APL.
Se a primeira etapa foi um sufoco, imaginem o que veio depois. Cheio de boas intenções, procurei um velho conhecido, coincidentemente, filho de um apeado ao poder. A duras penas, consegui o celular da autoridade e liguei incontinenti. Quem disse que ele atendeu? Retornei insistentemente até que um anônimo disse que ele só atendia número binado. ‘Então liga do teu’. Ele ligou.
- Bom Dia! Sou o fulano, amigo do teu pai, te coloquei no colo. Gostaria de trocar umas idéias sobre educação, cultura…
Nem deu tempo de concluir meu raciocínio.
- Faz o seguinte. Vem aqui amanhã a tarde.
Na hora combinada, lá estava eu. Fui recebido por um assessor que me avaliou de cima abaixo. Conferiu o pisante, a calça sem marca, a camisa comprada na Makel, o cabelo grisalho… Pau mandado é mil vezes pior que o superior. Explica-se. O cara quer, precisa mostrar serviço, têm a obrigação de triar as pessoas que procuram seu chefe.
- Qual é o assunto que o traz aqui, quem é o senhor, seu partido é coligado, ele lhe conhece?
- Na verdade, ele estudou comigo…
- O senhor não tem audiência marcada? Então aguarde
Manda que não sabe, obedece quem não tem juízo. Tomei um chá de cadeira infernal! Nem o bíblico Jó, suportaria tal provação. Após ingerir uma dúzia de copos de água, outro tanto de cafeína, perdi a paciência e tirei o time.
Tudo que sobe desce. Tempos depois, reencontrei meu algoz. Que diferença. Humilde, solícito e desempregado. Desapeado do poder, DAS zerado…
- Meu poeta, tudo em cima? Leio tua coluna todo domingo. Conto com teu voto. Quando nosso guia for eleito, liberaremos a verba pra Academia.
Porque será que eles adoram se expressar no plural?
Pensei mas não disse. Não sou poeta. Não tenho coluna. Nunca escrevi aos domingos, jamais votarei em ti…

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