9/20/2008
Dênis Cavalcante
Ao Mestre com carinho
“Quem ensina, mas não pratica o que apreendeu; se parece com quem semeia, mas nunca colheu.”
Lá se vão sabem-se lá quantos anos… Não importa. A verdade é que, durante todo esse tempo, nunca me esqueci, me desvinculei dele. Quando cheguei a Belém, meu pai me matriculou no Colégio Moderno. Dentre todos os notáveis mestres, (a competente Marlene, Josefina e seus logaritmos, Geraldo e seu aplomb, Serra e suas fórmulas), foram as suas aulas que mais me encantaram. Eram libelos, obras primas de retórica. Suas armas eram simplórias, espartanas: um livro, um toco de giz, a lousa limpa, a didática, perspicácia e conhecimento. Naquele tempo, não havia data-show, slides, caneta laser, apostilas…
Ao contrário da maioria, se impunha pela sobriedade, pela sutileza, pela simpatia… Graças a sua notável metodologia, toda uma geração aprendeu (sem decorar) os principais eventos da historia do Brasil e do mundo. Capitanias Hereditárias, Governos Gerais, Independência, Império, Republica. Acaso tivesse feito vestibular para História, passaria com folga.
Tal qual um relógio suíço, entrava na sala, efetuava a chamada, desabotoava o paletó e fazia o que tinha que ser feito: ensinava. E como! Não tenho certeza, mas acho que ele nutria alguma estima por mim. Durante os três anos em que estive sob sua batuta, era eu que lia o ponto. Quiçá por sentar na frente, quem sabe pela voz baritonal… Como saber? Fato é que, as melhores notas do meu modesto currículo escolar, aconteceram em sua cátedra. Ate hoje não sei se ele era um magistrado que lecionava, ou um professor que magistrava.
Anos depois, o destino nos uniu novamente. Batendo pernas pelo Rio, reencontrei-o na “Barata Ribeiro”. Trocamos endereços, telefones, seguimos nosso caminho. Mais adiante, tornei-me colega de faculdade de sua filha. O mundo é cheio de coincidências.
Larguei a faculdade, me casei, me fiz livreiro. Um belo dia recebi uma ligação. Alguém estava interessado em vender antigos alfarrábios. Ao chegar a aprazível residência fiquei sabendo o motivo: de muda para o Rio, o proprietário se viu obrigado a se desfazer de parte de seu valioso acervo. Adivinhem que era?
Tempos depois, nos esbarramos na Feira Pan-Amazônica do Livro. Mais uma surpresa. O juiz, pai, esposo, leitor, professor dedicado, ainda arrumou tempo para escrever, historiar. Depois disso, tornamo-nos unha e carne. Sempre que vinha a Belém, ele me ligava e fazia um pitstop no Baú.
Essa semana, na surdina, ele reapareceu. Como eu não estava presente, achou por bem garimpar as prateleiras. Concomitantemente, esbarrou numa igual, que também procurava um raro e importante exemplar: “A chave da felicidade”. Segundo ela, esse livro deu outro sentido a sua existência. Uma estranha simbiose os uniu. Enquanto caçavam o livro, ela contou sua historia.
- Quando eu era adolescente, sofri uma perda irreparável, com a súbita morte de meu pai. Estressada, meu corpo foi tomado por chagas horrendas. Tal qual uma leprosa, todos se afastaram de mim. Era vitiligo. Poucos, muito poucos, me trataram com carinho, me acolheram sem preconceito. Dentre eles, um jovem professor de História, do qual não me recordo o nome.
Quarenta e tantos anos depois, ele revelou:
- Aquele jovem idealista sou eu. Muito prazer. Carlos Mendonça a seu dispor.
Hoje não é o dia do Professor. Mas antes que esse fato esmaeça, passe em brancas nuvens, senti-me obrigado a contá-la. Carlos Mendonça é um ser em extinção. Seu lema? Mestre não é quem ensina, mas aquele que de repente, apreende.
PS* Hoje começa a XII Feira Pan-Amazônica do Livro – vamos todos pro Hangar!
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