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9/14/2008


Aos leitores:
Raimundo Cunha, ou simplesmente Ray Cunha, macapaense dos bons, e que desde o início do Jornal do Feio - há quase quatros. anos mabtinha a coluna Informe Amazônico, publicada com a anuência do site ABC Politiko de Brasilia, onde Ray reside, mudou de casa.
Ele mesmo é quem dá o recado:

"Irmão Feio
Perdão por não avisá-lo, mas comecei a editar um portal especializado na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e, por essa razão, tive de cessar minha colaboração com o ABC Politiko. Mas ficas à vontade para publicar o que quiseres do portal Conexão CPLP. Seu endereço é:
www.conexaocplp.com.br. Além de notícias, mantenho nele uma coluna chamada Café Expresso.
Recebas um forte abraço do irmão

Ray Cunha".

Assim sendo, a partir desta semana os senhores terão o Ray Cunha com um novo espaço enriquecendo ainda mais o nosso jornalzinho eletrônico.

Café Doce Café

Nossos bate-papos eram acidentais e curtos. Ele tinha uma entrevista marcada com o deputado Antonio Palocci, que toca a Lei das Biografias na Câmara, a qual deverá pôr fim a essas demandas de herdeiros de celebridades defuntas, que não suportam exumação. Ele se mandou. Eu entrei na Sodiler e procurei Sinfonia Minas Gerais, de Alaor Barbosa, editado pela LGE.
Até o início dos anos 1990, podíamos encontrar no Café Doce Café, no principal hall de entrada do Conjunto Nacional, representantes da elite decadente de Brasília: oficiais graduados das Forças Armadas - duplamente descontentes, com o fim da ditadura e com o pijama -, ex-congressistas ainda de terno e gravata, pequenos empresários do ramo das comunicações, malandros bem vestidos, etc., e, naturalmente, belas mulheres.
Acompanhando os tempos, o café entrou também em decadência, virou lanchonete e dele só restam o expresso, agora do mais amargo robusta, colheres de metal e não palitos de plásticos, e parte do balcão de mármore – o restante virou vitrine de guloseimas.
É verdade que a fauna que o freqüenta, nesses tempos pós-modernos, não tem o encanto decadente dos antigos convivas, habitantes de zonas de fronteira; são, geralmente, pessoas sem nenhum mistério, e que vão ali com uma missão clara: comer. Mesmo assim, o Café Doce Café manteve-se excelente posto de observação e de encontro.
Para disfarçar o sabor amargo do robusta bebo-o pingado de leite. Encostado na parte de mármore do balcão, sorvia, devagar, um pingado, com o olhar meditativo sobre uma jovem senhora que se preparava para devorar duas coxinhas com Coca-Cola. Sua beleza era arrasadora, misteriosa como uma festa na suíte presidencial do hotel mais charmoso da cidade.
- Ela vai entrar mesmo na Justiça contra a biografia do pai dela – disse meu amigo que acabara de chegar e pediu um cafezinho. Prescindíamos dos cumprimentos habituais, tal era velha nossa amizade. Tratáramos daquele assunto na última vez que nos encontramos.
- Vai dar um prejuízo danado – eu disse, referindo-me à editora. A mulher acabara de devorar uma coxinha e preparava-se para dar cabo da outra. Fitava a coxinha, com seus olhos doces como os olhos das mulatas de Di Cavalcante, fazendo pontaria, e seus dentes impecáveis deram a primeira dentada, certeira e cortante, arrancando um naco... Eu me encontrava tão concentrado na jovem senhora que cheguei a sentir o prazer que ela sentia. – Mas a Constituição é clara quanto à censura... além de que biografia não passa de ficção, mesmo; coisas imaginadas pelo autor e por todas as pessoas entrevistadas – eu disse.
- O problema são nossos juízes. Começa que a maioria dos bacharéis de Direito não tem capacidade sequer de passar no exame da Ordem dos Advogados, entra para um cursinho, decora as leis e acaba passando num concurso para juiz de Direito – ele disse. A jovem senhora devorara a coxinha em poucas bocadas, limpou a boca com um guardanapo de papel e pintou seus lábios, belos como os de Aline Moraes. - Além desses juízes fajutos ainda há jogo de interesses, compadrio, apadrinhamento, influência, nepotismo, corrupção...
A jovem senhora partiu. Devia medir um metro e setenta e pesar sessenta quilos. Sua pele era leitosa e tinha os olhos e o balanço de mulata. Tratava-se de legítimo produto do trópico. Perdeu-se no calçadão do shopping.
- Nosso país é o paraíso...
- Realmente é o paraíso – interrompi meu amigo, ainda tentando ver os cabelos da jovem senhora na multidão, negros, fartos, descendo sobre seus ombros nus como se tivessem vida própria.
- É o paraíso de gente como Daniel Dantas – ele disse, atento.
Nossos bate-papos eram acidentais e curtos. Ele tinha uma entrevista marcada com o deputado Antonio Palocci, que toca a Lei das Biografias na Câmara, a qual deverá pôr fim a essas demandas de herdeiros de celebridades defuntas, que não suportam exumação. Ele se mandou. Eu entrei na Sodiler e procurei Sinfonia Minas Gerais, de Alaor Barbosa, editado pela LGE

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