De uma maneira ou outra, os livros nos fazem parar e pensar sobre nossas atitudes, sobre a vida que estamos levando. Sei muito bem o que é isso. Afinal de contas, desde que me entendo, eles me dão lições, me ensinam coisas que jamais aprenderia em outro lugar. Foi assim na semana passada, quando uma cliente ligou, oferecendo o acervo que havia pertencido ao pai. É sempre assim. O marido, o pai, o avô se vai e a família faz uma faxina geral nos pertences do finado. Os bens de valor, (imóveis, jóias, obras de arte, carros…) quase sempre, são disputados a tapa pelos herdeiros. Já o rebotalho…
Mas voltemos ao mote da crônica. Ao saber do meu interesse pelo acervo paterno, não se fez de rogada. Em minutos apareceu na livraria, o porta-malas do carro abarrotado de livros. Como de costume, separei os de mais serventia, descartando aqueles que os exércitos de traiçoeiras traças, divisões de vorazes cupins haviam engolido letras, palavras, lombadas, capas, capítulos inteiros. Para ela, pouco importava. Apressada, contou as notas do butim, enfiou o dinheiro na bolsa e tirou o time. No outro dia, tratei de separar o joio do trigo. Sidney Sheldon, Paulo Coelho, Morris West para um lado; Machado de Assis, Tolstoi, Eça, Monteiro Lobato, Pessoa, Pound, (apenas para citar alguns) pro outro. E foi justamente num exemplar carcomido de Sheldon – “O Outro lado da meia noite” - que encontrei a carta amarelada pelo tempo. Ela dizia mais ou menos assim:
“Amada filha. Apesar da distância que nos separa, em nenhum momento, deixei de te amar. Em nenhum instante, deixei de lembrar das fugazes ocasiões em que fomos, tentamos ser, uma família feliz. De quem é a culpa, quem tinha razão? Agora, de nada, pouco importa. Naquela época, seu velho pai era um jovem idealista, sonhador. Não estava preparado para o casamento, muito menos para ser pai - seu pai. Sua mãe me deixou levando você pra bem longe. Errei, erramos. Contudo, nunca é tarde para dar o braço a torcer, reconhecer que errei. Como você não responde minhas ligações, decidi fazer uso dessa para, humildemente lhe pedir desculpas. Quero, preciso recuperar o tempo perdido. Se você permitir, conhecer minha neta. Colocá-la no colo, embalá-la, contar as historias que contei pra ti. Lembra? Se você concordar, por favor, responda essa carta. Um beijo arrependido do pai que nunca deixou de te amar.”
Emocionado, conclui a leitura, colocando a missiva de volta no envelope. Será que ela sabia, será que a carta tinha chegado ao remetente? Como saber, o que fazer… Incontinenti, liguei para a filha.
- O senhor quer desfazer o negócio?
- Não é nada disso. Encontrei num dos livros que você me vendeu, algo que lhe pertence, que não tem preço.
- Já estou indo.
Quando ela chegou, estendi-lhe a carta que de direito, lhe pertencia. Enquanto lia a missiva paterna, seu semblante se transmutou. As mãos tremiam. Num improvável esgar, os lábios cerrados se entreabriram. Os olhos frios se encheram de lágrimas.
- Eu não sabia… Papai morreu subitamente, antes de postá-la para mim.
Fui tomado por um sentimento, uma tristeza danada. O orgulho, a destemperança, a insensatez, feridas insepultas, mágoas guardadas por anos a fio macularam, separaram inapelavelmente pai e filha. Uma família que tinha tudo para ser feliz.
Mas voltemos ao mote da crônica. Ao saber do meu interesse pelo acervo paterno, não se fez de rogada. Em minutos apareceu na livraria, o porta-malas do carro abarrotado de livros. Como de costume, separei os de mais serventia, descartando aqueles que os exércitos de traiçoeiras traças, divisões de vorazes cupins haviam engolido letras, palavras, lombadas, capas, capítulos inteiros. Para ela, pouco importava. Apressada, contou as notas do butim, enfiou o dinheiro na bolsa e tirou o time. No outro dia, tratei de separar o joio do trigo. Sidney Sheldon, Paulo Coelho, Morris West para um lado; Machado de Assis, Tolstoi, Eça, Monteiro Lobato, Pessoa, Pound, (apenas para citar alguns) pro outro. E foi justamente num exemplar carcomido de Sheldon – “O Outro lado da meia noite” - que encontrei a carta amarelada pelo tempo. Ela dizia mais ou menos assim:
“Amada filha. Apesar da distância que nos separa, em nenhum momento, deixei de te amar. Em nenhum instante, deixei de lembrar das fugazes ocasiões em que fomos, tentamos ser, uma família feliz. De quem é a culpa, quem tinha razão? Agora, de nada, pouco importa. Naquela época, seu velho pai era um jovem idealista, sonhador. Não estava preparado para o casamento, muito menos para ser pai - seu pai. Sua mãe me deixou levando você pra bem longe. Errei, erramos. Contudo, nunca é tarde para dar o braço a torcer, reconhecer que errei. Como você não responde minhas ligações, decidi fazer uso dessa para, humildemente lhe pedir desculpas. Quero, preciso recuperar o tempo perdido. Se você permitir, conhecer minha neta. Colocá-la no colo, embalá-la, contar as historias que contei pra ti. Lembra? Se você concordar, por favor, responda essa carta. Um beijo arrependido do pai que nunca deixou de te amar.”
Emocionado, conclui a leitura, colocando a missiva de volta no envelope. Será que ela sabia, será que a carta tinha chegado ao remetente? Como saber, o que fazer… Incontinenti, liguei para a filha.
- O senhor quer desfazer o negócio?
- Não é nada disso. Encontrei num dos livros que você me vendeu, algo que lhe pertence, que não tem preço.
- Já estou indo.
Quando ela chegou, estendi-lhe a carta que de direito, lhe pertencia. Enquanto lia a missiva paterna, seu semblante se transmutou. As mãos tremiam. Num improvável esgar, os lábios cerrados se entreabriram. Os olhos frios se encheram de lágrimas.
- Eu não sabia… Papai morreu subitamente, antes de postá-la para mim.
Fui tomado por um sentimento, uma tristeza danada. O orgulho, a destemperança, a insensatez, feridas insepultas, mágoas guardadas por anos a fio macularam, separaram inapelavelmente pai e filha. Uma família que tinha tudo para ser feliz.
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