
Sete poemas de Alcinéa Cavalcante e um meu
Brasília – Jornalismo é meu ganha pão desde 1975, quando entrei nessa tribo como repórter policial do Jornal do Commercio de Manaus. Atualmente, cubro os labirintos do Congresso Nacional. Quando o miasma que paira na Esplanada se torna sufocante demais, refugio-me no riso de uma criança, em Amadeus Mozart, no anoitecer, nas mulheres que perfumam os corredores do Conjunto Nacional, em Macapá - que guardo no relicário do meu coração -, na minha estante - onde guardo bruxos chineses, diamantes, rosas e Chanel Número 5. Esses ingredientes atuam como se Deus arrumasse a manhã para a mulher mais bonita do mundo passar.
Basta, por hoje, de ratos, de sanguessugas, de carrapatos, de vermes, de protozoários, de politicalha; basta de 14 mil quilômetros quadrados da Amazônia devastados a motosserra e fogo; basta de hipocrisia, de mentira. Devolvam o riso e as flores. Percorri as prateleiras da minha estante e pedi à Alcinéa Cavalcante, que também é jornalista e sabe da minha angústia, que me socorresse, pois ela é um anjo. Então, com a ternura e o carinho de sempre, a poeta me ensinou que apesar do aborto provocado, que apesar do horror da fome, que apesar do pedregulho atirado com toda a força no rosto, apesar da terçadada, apesar do grito de pavor da criança, apesar do político que rouba merenda escolar, apesar do parlamentar que emprega seus parentes com dinheiro público, apesar do trem da alegria em detrimento dos concursados, apesar do assassinato da Amazônia, apesar da censura, há, na estante, bruxos chineses, diamantes, rosas e Chanel Número 5.
Então, a poeta me levou à Estrela Azul e me deu sete poemas. Eu dei a ela, um.
Caneta dourada
A caneta dourada
que tu me deste
naquela tarde
feita de esperanças
guardei-a no baú
onde coleciono
tuas lembranças
É com ela
que escreverei
o poema
do teu regresso
Não sei quando
não sei onde
nem sei se.
Medo
Ah, tia Bil
me ensina a prender
um raio de sol
num laço de fita
porque hoje eu preciso
fazer meu dia maior
Bem maior que o Amazonas
bem maior que a tua grandeza
A verdade, tia Biló,
é que não quero que a noite chegue.
A noite me traz ausências.
Explicação
Vivo do ato de escrever
Sobre tragédias
e espetáculos
sobre o candidato vitorioso
e o derrotado
sobre o deputado corrupto
e o governante que finge
ser honesto
sobre a exportação da mandioca
e a importação da farinha
sobre a fome
e a riqueza
sobre o real
e o dólar.
Perdoa-me, Anjo,
não sobrou tempo
para escrever
um poema de amor.
Agenda
Na segunda-feira
vou quebrar o relógio
rasgar o livro de ponto
jogar fora o celular
e mandar o chefe à merda
Na terça-feira
vou atar uma rede
e embalar meus sonhos
Na quarta-feira
vou acender sorrisos
e regar esperanças
Na quinta-feira
vou plantar borboletas azuis
e colher flores
e estrelas
A partir de sexta-feira
vou viver só de amor
Amor para a vida inteira
e alguns anos mais
e alguns anos mais
Entardecer
Te prometo, Poeta,
que no próximo entardecer
vou pintar um arco-íris
para deixar tua tardezinha
menos triste
Hás de sentir que o entardecer
pode ser tão belo
quanto o alvorecer
que ilumina teu rosto
e abre sorrisos no teu olhar
Presta atenção, Poeta,
esta hora que entristece a tua alma
é o momento solene
no qual Deus apaga o sol
para acender a lua e as estrelas
Principalmente aquela estrela
que tanto te encanta
quando estás
tecendo sonhos
e versos
na madrugada
O olhar que eu quero
Eu quero um olhar
Não o olhar de quem calcula
o espaço da manchete do jornal
que o executivo vai ler apressado
e os políticos de centro,
direita e esquerda
vão discutir
nos gabinetes
nos palácios
nos bares
Eu quero um olhar
que tenha a ternura das manhãs
e a esperança das tardes de dezembro
Meu reino
Ora, se queres me fazer rainha
basta tão pouco.
O meu reino só precisa ter
uma lua amarelinha
uma estrela branca
uma flor
e um beija-flor
Mais nada
Como paga por esses diamantes, rubis e safiras, pincei de Sob o Céu nas Nuvens.
Sensação estranha
Que sensação estranha
Na hora de ser enforcado
Ser salvo e dormir com a princesa.
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