A lembrança mais antiga do Natal que tenho, é a sua chegada no meu prédio, Renascença. Desde cedo, o "Buraco", figuraça da cidade, chefe da família Rauland, chegava e ficava escondido no último andar. No térreo, onde hoje funciona uma padaria, era a Salevy, uma espécie de bazar, um shopping, digamos assim, cujo proprietário era Samuca Levy, a quem chamava de tio, pela amizade de meu pai. Na semana do Natal ele instalava barraquinhas na calçada da Presidente Vargas, no tamanho da loja, claro.
No dia da chegada do Papai Noel, ficava lotada a frente do edifício. Como ele chegava? Como o trenó chegava e não víamos? Era um helicoptero? De repente ele surgia, acenava e jogava bombons ávidamente disputados pela molecada. Eu ficava entre o orgulho de morar no prédio que o Noel escolhera para descer, andar por andar, visitando os apartamentos, e o pânico que me tomava em finalmente ficar frente a frente com ele.
Certa vez, escondido sob um sofá, acabei molhando as calças. Pior foi a surpresa de Edgar Augusto ao ver o Papai Noel aceitar um copo de bebida de nosso pai. Papai Noel é amigo do papai! E ele bebe! Sentira seu hálito, quando fora pedir a benção.
Adiante, lembro que pedi um Papa Filas, espécie de ônibus que devido a seu tamanho, acabava com as filas nas paradas. Ganhei. Era um domingo. Fomos à casa do Lago Azul. Saí, todo pimpão, puxando meu papa filas. Quando retornei, minha mãe teve um ataque. Ao invés de um papa filas, puxava pelo fio uma espécie de caminhão, feito de maneira magistralmente criativa com uso de latas de óleo de cozinhar, rodas de tampas de refrigerante e outros detalhes. Havia trocado com Cícero, filho do caseiro do Lago Azul. Minha mãe não conseguia entender como eu achava aquela "coisa", melhor que o papa filas. Mas era, mãe..
Em outra, lembro de acordar Janjo, meu irmão menor, e leva-lo para trás de uma poltrona, na sala do apartamento, onde aguardamos, tremendo, ele molhando as calças, para provar que o velho Noel não existia e sim nossos pais, que surgiram e foram colocando os presentes ao pé da árvore. Não há desculpas para isso.
O Natal começava em dezembro, quando os dias começavam a ficar enfarruscados, vento úmido e alguma chuva. E estávamos de férias. Mais novos, eu e meus irmãos nos jogávamos nas cadeiras da sala e ficávamos ouvindo os discos tocados pelo Edgar, no caso, Beatles. Quando chega esse tempo, ouço Beatles. Até agora.
Lembro também de subir e descer a então São Jerônimo, para ir brincar na casa de Abílio Cruz, meu grande amigo e ídolo de pré adolescência, adolescência e maturidade, que se foi precocemente, vítima daquela doença que arrebenta as pessoas à vista de todos. Como ele era brilhante, correto, inteligente, bonito, amigo. Como éramos amigos! Hoje brincaremos de quê? Bicicleta, peteca, futebol, jogo de botão, tudo valia.
No Natal, lembro principalmente de meu pai. Nessa época, ele comprava presentes para muitos amigos. Pegava o telefone e discava para desejar Feliz Natal. De noite, na festa da distribuição de presentes, vinha e entregava aos filhos homens envelopes contendo um dinheirinho. Era uma maneira, um comportamento discreto, pois ele nunca foi de gestos, passar a mão, beijar, mas os olhos, o sentimento, eram intensos.
Papai adorava o Natal.
Nesta época, lembro dele. Agora sou mais que um adulto, o que chamam de meia idade, talvez mais que isso, já que poucos passam dos 100 anos e vou fazer 55 ano que vem, tenho no peito não somente a saudade dele, mas o sentimento precioso do Natal. De comprar presentes para os meus. De distribuir um dinheirinho entre a galera da rua, próxima ao meu trabalho. Sentir no peito uma alegria, meio melancólica por sua ausência, mas um sentimento de confraternização. Gosto de dar presentes. Nem demoro tanto a escolher. Não suporto quando vêm e dizem dos cinismos do Natal, da chatice de comprar presente. Isso é coisa de quem não sabe viver. Não há famílias perfeitas. Há corações natalinos, como o meu.
Quero meus filhos próximo de mim. Como quem supre algo que não teve, gosto de beija-los, afaga-los, presenteá-los. Falo pouco porque engasgo de emoção e quase vem o choro, que detenho, embora não devesse. Gosto tanto deles que não há como medir. E gosto de minha família.
Não somos fáceis. Cinco irmãos de gênio muito forte, extremamente realizadores, em uma área de total exibição. Construímos nossos nomes, cada um em seu lugar, mas misturando tudo, um ajudando o outro, falando todos os dias, convivendo tanto, que aos finais de semana nunca estamos junto.
Se me fosse possível pedir algo ao bom velhinho, seria a volta de meu pai ao seio da família, ao meu lado, para conversar diáriamente, como fazíamos, para meu deleite.
Meu Deus, como ele me faz falta!
Feliz Natal a todos!
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