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6/16/2009



Meu amigo português


Apreciávamos Antarctica, vinho do Porto, cinema de primeira categoria, Ernest Hemingway, Muhammad Ali, comida espanhola, mulheres lindas e Belém do Pará, entre outras infindáveis coisas. O Velho gostava de ler meus contos e eu de ouvi-lo falar sobre o mundo.
Um dos meus melhores amigos foi o cineasta lisboeta José Pereira Gaspar, com quem convivi durante dois anos, em Manaus, para onde migrara sua família. Foi uma das amizades intelectualmente mais fecundas que desfrutei, além dos ensinamentos práticos que o Velho, como o chamava, me passou, pois eu tinha 21 anos e ele, o dobro disso. Sobretudo, ele foi o ponto de referência para eu identificar um europeu, um português, e estabelecer diferenças básicas entre lusitanos e brasileiros.
Acredito que o Velho aceitou minha amizade porque tínhamos muitos pontos em comum. Apreciávamos Antarctica, vinho do Porto, cinema de primeira categoria, Ernest Hemingway, Muhammad Ali, comida espanhola, mulheres lindas e Belém do Pará, entre outras infindáveis coisas. O Velho gostava de ler meus contos e eu de ouvi-lo falar sobre o mundo; como gostava de ouvi-lo, com seu português claro, sonoro, de quem é lusitano e domina o trópico. A propósito de Belém, ele se casou com a cantora lírica belenense Marina Monarcha.
Contudo, ele era português. Via o mundo, no caso a Amazônia, do alto da sua poltrona de colono europeu. Detestava, ou melhor, não comia as iguarias da Amazônia, que, para mim, é a melhor cozinha do planeta, e ignorava a cultura cabocla, e eu sou cabclo. O Trópico Úmido entediava-o, matava-o, embora o retivesse em Manaus, pois cada homem lança raízes de acordo com suas circunstâncias.
Entre europeus e amazônidas, e sou amazônida, sempre haverá estranhamento, tão bem revelado por Gabriel García Márquez em suas conversas com Plínio Apuleyo Mendoza. Graham Greene tem razão, o segredo do trópico reside no cheiro de goiaba. Mas não é qualquer europeu, nem português, que saberá avaliar toda a riqueza do cheiro de goiaba. O Velho não sabia.
Estou certo de que a maior simbiose entre portugueses e brasileiros são as portuguesinhas belenenses. Elas guardam todo o mistério das goiabas, aquele tipo de mistério que se abre, se revela, e continua sendo mistério em si mesmo. As portuguesinhas são europeias belas como negra em vestido de seda, com sotaque belenense, deliciosas como cuia de tacacá.
Estou certo, ainda, que me une a Portugal a língua. Mergulho na língua portuguesa para compreender melhor o mundo, e ressurjo no dorso da língua brasileira, cavalgando-a como se cavalga a mulher amada, no mar do trópico úmido.

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